quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Hipocrisia

Circunstâncias revelam o que as palavras tentam esconder. Um discurso inflamado pode turvar o que realmente se quer dizer. Pode mascarar o que está no mais recôndito do nosso ser. Mas as circunstâncias fazem com que a realidade interior se exteriorize. Camuflados por detrás de tanto moralismo e nobreza, estão os sentimentos mais vis. Fingimos demais.
Somos peritos no teatro da vida. Atores que merecem "oscars" pela brilhante atuação. Fingimos tão bem, que nós mesmos acreditamos. Gargalhamos quando queremos chorar e chamamos isso de força. Dizemos amar quando no interior há o desprezo ou a indiferença. Iludimos quando na verdade não há sentimento. Fingimos sentimentos, fingimos intelectualidade, fingimos ser cristãos...
É enorme nossa mesquinhez...

Tudo não passa de um teatro. Um teatro de marionetes. Um teatro de hipócritas. Emocionalismo vazio.

Somos apenas pessoas que falam bonito, mas que tem a alma feia. Pessoas que aparentam estar cheias, mas que não tem nada. Apenas uma latinha vazia com uma moeda dentro.

Somos a multidão de atores. Somos a multidão de hipócritas!

Companheira Solidão

A solidão às vezes é mais companhia do que muitas companhias, é mais presença que muitas presenças e sua ausência provoca mais saudade do que muitos que se fazem presentes, caso partam. A solidão é necessária e profundamente agradável para quem sabe aproveitar sua companhia. Ela chega em momentos inoportunos, timidamente e vai ganhando espaço. Tornando-se necessária. Muitos a tratam como uma inimiga, como um mal a ser evitado a todo custo. Ela anda de mãos dadas com o espelho. Ela está dentro do espelho e o espelho está dentro dela. Eles se pertencem. São um casal de amantes apaixonados, ardendo em desejo.

Quem já não viu um quando o outro estava presente?
Fixe os olhos em um espelho e enquanto olha seu reflexo perceba a solidão profunda que é ser si mesmo. Ou então, na mais profunda solidão, sinta-a conduzir-te pela mão até uma sala de espelhos onde tudo que se pode fazer é olhar para si cada vez mais de perto, examinando os poros, a pele, o branco dos olhos, os dentes... Onde as imperfeições não vistas começam a se revelar. 

Buscamos fugir de um e de outro com máscaras. Mas a solidão tem o hábito de arrancá-las e trazer o eu a luz.
Solidão, por que és tão solitária?
Por que, pois, ser tão atroz? 
Por que tão companheira?
Por que tão medonha?


Momento Romântico

Desde o primeiro instante em que a viu ele soube que iria se apaixonar. Embriagou-se em seu olhar. Pensou serem eles a porta para uma dimensão só sua. Ele podia ver através deles como se fossem uma substância criada do mais perfeito cristal. Uma espécie muito distinta de vidro talvez, capaz de reluzir a luz das estrelas. Fora enfeitiçado. Feito prisioneiro. Cativo da mais linda liberdade. Pois o amor é isso: liberdade que cativa e cativeiro que liberta.

Não era a garota mais bela que já vira. Com certeza não. Não fazia-o lembrar-se de Afrodite ou de belas modelos. Sua beleza era comum. Curioso como o comum às vezes pode ser belo. Não era algo aberrante. Para a maioria das pessoas talvez, ela passaria despercebida no meio da multidão. Mas não para ele. Ele estivera sempre à sua espera. Sempre de olhos abertos, como alguém que espera um parente ou amigo há muito tempo em viagem e prestes a chegar. Seus cabelos caiam por sobre os ombros como um belo véu, negros como as profundezas do oceano. Sua face carregada de mistério. Suas expressões frias e indecifráveis, porém convidativas e desejáveis como a primeira noite de inverno.

Ele nunca fora tímido. Sempre conversara com todas as garotas, sempre teve iniciativa. E com o tempo, conseguia conquistá-las. As pessoas simplesmente entregavam a ele as chaves de seus corações, de modo que logo nos primeiros contatos, sabia muito sobre elas. Até esse dia. Não conseguiu sequer pronunciar uma palavra diante dela. É como se todos os seus pensamentos corressem desesperados em todas as direções possíveis. 

Ela lhe deu um belo sorriso quando ele se aproximou como quem não quer nada. Aquele simples sorriso fora o suficiente para embaralhar-lhe todos os sentidos. Com um sorriso golpeou-o. Com um sorriso domou o animal. Com um sorriso vencera a guerra. Ele não soube o que fazer, senão sorrir de volta. E ficou ali, parado, feito uma estátua, como um imbecil. Não ousou pronunciar palavra. Elas não lhe faziam jus. Apenas pode olhar para ela e desejar que o destino lhes desse outra oportunidade de se encontrar novamente. Aí talvez pensasse em falar com ela.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Devaneio

Estranho pensar que sempre serei eu e sempre terei que conviver comigo, pois sou prisioneiro de mim e para onde quer que eu tente fugir, lá estou. Experimento o mundo, experimento os outros, experimento até mesmo Deus, mas sempre a partir de mim. Não posso conhecer sem mim, não posso viver sem mim. 

Sou, pois, meu inimigo, mas a partir de mim.

Sou, pois, minha companhia eterna.

Fadado eternamente a solidão de mim mesmo exceto nas rachaduras da muralha e das ausências que sou onde posso contemplar e me encontrar com o outro. Fato curioso é, que vez ou outra, minha muralha de solidão depara-se com uma parte caída e em ruínas na qual posso encontrar-me com outro alguém e não mais ser só. 

Ahhhh...

Os encontros...