segunda-feira, 19 de maio de 2014

Coisado

Ele sentia uma coisa dentro do peito. Uma coisa que não sabia bem o que era. Pensou que saber seu nome não adiantaria muito. Chamou isso de "coisa" mesmo. Sentiu-se coisado. Esse sentimento estranho e familiar que ele sentia invadia-o, vulnerava-o. Estava coisado. E não sabia como se descoisar.
Seguia aos tropeços e ainda coisado. Estava meio desnorteado. Havia planejado algumas coisas, mas quem disse que dá para se traçar um roteiro para a vida?
Desde que seus planos deram errado, essa coisa dentro dele se agitara. Às vezes ficava calma como o mar sereno. Outras vezes parecia tempestade. Estava meio coisado e tempestuoso. Dentro dele era vendaval. Fogo ardendo no meio do mar, como se várias toneladas de óleo tivessem derramado dentro dele. Realmente, algo havia se derramado dentro dele.
Ahhh... Expectativas... 
Coisas estranhas essas senhoras...
Parece que foram elas que se derramaram. Já devia ter se acostumado. Mas ainda não havia. Pelo menos ele tivera coragem de fazer o que propusera. Se bem que as coisas não ocorreram do jeito que pensou.
É... O caos sempre adentra. O caos. Aquele indivíduo inoportuno, mas que sempre está presente e que encontra um jeito de se mostrar. O caos sabia que ele estava coisado. O caos sabia da escola de samba no peito dele. Sabia do iceberg em seu estômago.
O caos sabia... É por isso que o caos é o caos.
O caos sabia e se misturou com a coisa dentro dele. Agora ele estava coisado e caótico.
Coxeante, coisado e caótico.
Não sabia o que seria de si.
Só tinha certeza de um coisa: estava coisado. Continuava coisado. E ao mesmo tempo, queria e não queria se descoisar.

Maturidade

Quando eu era menino, queria ser o centro das atenções, queria que todos concordassem comigo, queria que meus amores fossem correspondidos e que o universo se movesse ao meu redor.

Quando comecei a entender o que é ser homem, busquei acabar com essas coisas de menino.
Não quero ser o centro de nada. É muita prepotência pensar que alguém tenha que concordar com o que digo. É muita imaturidade querer que as pessoas correspondam meus afetos. É muita idiotice querer que o universo mova-se pela minha vontade.

Não me sinto ainda no ocaso da vida. Não sou um sábio, um eremita ou um grande pensador. Sou uma chama bruxuleante que luta para se manter acesa. Não passo de um caniço rachado. O existir me fez amadurecer. O existir tem me colocado no meu lugar.

As crianças querem ser o centro. Elas precisam disso. Elas estão se construindo e precisam do olhar do outro constantemente para se confirmar. Todos nós, em parte, continuamos sempre sendo crianças.

Aqueles que querem que todos concordem consigo não aprenderam o valor da diferença. Não aprenderam que discordar é saudável, que pensar é necessário e censuram aqueles que o fazem. A verdade é que todos queremos ser uma divindade inquestionável. O estranho, é que o próprio Deus admite ser questionado acerca de algumas questões. Acerca de outras, a resposta Dele é que simplesmente Ele É Deus. Ele nos manda cavar a fim de que cheguemos até a rocha. E como cavar sem remover terra? Como cavar sem remover terra firme e intocada? Certezas necessitam ser abaladas para que algo com fundamento possa surgir.

Queremos ser amados e ser correspondidos. Gostaria de saber, de onde tiramos a ideia de que as pessoas tem obrigação de gostar de nós, de se apaixonar por nós, de nos amar como nós o fazemos por elas. Não existem amores não correspondidos. O que ocorre é que nós esperamos uma resposta do jeito que queremos, uma resposta ideal. A resposta ideal está junto das pessoas ideais: no mundo das ideias. E ainda que a resposta seja a que não queremos, as pessoas tem o direito de não nos amar. Quem criou as expectativas fomos nós e o outro não é obrigado a correspondê-las.

O universo não se move ao nosso redor porque nós somos uma partícula de poeira nele. Não faz a mínima diferença para o universo se morremos ou vivemos. Ele existiu antes, durante e depois de nós. O mundo não gira para as formigas, mas junto delas.

Chamo isso de maturidade. Reconhecer qual o meu lugar nessa dança chamada vida. Às vezes é tempo de dançar. Às vezes temos um par para dançar. Às vezes queremos parar para descansar. Às vezes simplesmente nos sentamos para descansar.
Há diferentes músicas tocando.
Há diferentes dançarinos na pista.
Ninguém é melhor. Ninguém é pior. Nem mesmo quem dança funk.

Lusco fusco. Crepúsculo. Anoitecer.

Tudo é dança. Tudo é música.
Reconhecer isso faz toda a diferença. Reconhecer isso é o princípio da maturidade.

Sentimentos e Palavras

Minha profissão demanda que eu tenha certo cuidado com as palavras.
É preciso cuidado para dizer e cuidado para ouvir.
No entanto, as palavras sempre se mostraram para mim como insuficientes. Elas são insuficientes para descrever um lugar, por exemplo. Como eu coloco em uma palavra um raio de sol? Como coloco em uma palavra a beleza dos céu, das estrelas ou da lua?
Como expressar com palavras o que demanda ser vivido, ser sentido, ser experienciado?
Como eu poderia descrever um beijo? Como eu poderia descrever o coito?
Como posso dizer o que é um abraço?
Como eu poderia descrever o que é necessário sentir?
Como eu expresso em palavras o amor ou o ódio, a coragem ou o medo, a esperança ou o desespero?

Como eu defino todo o peso do existir em uma palavra?

Perguntas... Muitas perguntas...

Ultimamente tenho indagado sobre a morte. Mas tudo isso são perguntas...

Quantos sentimentos cabem dentro de uma palavra?
E quantos sentimentos não cabem?

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Metrô

Ele sentou-se no banco ainda flutuando. E permaneceu flutuando em seu assento. 
A jovem ao seu lado perguntou-lhe se estava cansado. Realmente estava. Um pouco cansado. Um pouco sonolento, mas ao mesmo tempo, muito ele. Apoiou a cabeça na mão, com o cotovelo encostado na janela do metrô. Olhou para fora e viu os trilhos e as pedras, ficando para trás. Viu a grama, e se lembrou de quando a chuva cai, regando as plantas e o solo. O cheiro de terra molhada quase invadiu suas narinas. Era como se apenas ao rememorá-los, pudesse fazê-los existir.
Viu os trilhos ficando para trás e pensou no quanto de si já deixara para trás. Em como seu existir se esvaía depressa. Sentiu saudades do passado. Afinal de contas, era sobre isso que conversava com a jovem ao seu lado pouco tempo antes.
Lembrou-se dos seus entes queridos, ainda muito queridos, mas não mais entes. Daqueles a quem ele ama, mas que não mais existem. Curioso paradoxo: amar quem já não é, mas que ao mesmo tempo, jamais deixará de ser. Não eram estátuas ou obras de arte imortalizadas que ele trazia dentro de si. Era o próprio calor, o cheiro, a voz... São as próprias pessoas que moram dentro dele. Podem deixar de existir. Podem se afastar. Mas continuam morando dentro dele. É isso então o famoso co-existir - se apropriar de alguém de tal forma, que ele passa a morar dentro de você.
Os trilhos do metrô uma hora acabariam. Uma hora a viagem findaria. Mas eles sempre se lembrariam das rodas que passaram por ele.

Eu sempre me lembrarei das rodas que passaram por mim.

E é para vocês, que dedico este.
Queridas rodas que me marcaram e fizeram quem sou.
Queridas rodas que já não são, mas que ainda são em mim.
E sempre serão.

Amo vocês para sempre!

Porque não digo: "eu te amo" com frequência

"Eu te amo". Três palavras. Apenas três palavras. No entanto, quando essas palavras são ditas podem mudar vidas. E quando não são ditas também. Quantos relacionamentos não acabaram porque um "eu te amo" não foi dito? Ou quantos relacionamentos acabaram porque um "eu te amo" foi dito?
É estranho... Três palavras. Muito fácil dizer... 

Amor, em nossa sociedade designa uma série de coisas. Os bordões dizem: "Eu amo coca-cola". "Eu amo o dia das mães". "Eu amo isso, e aquilo, e aquilo outro...".
Mas o que é o amor?
Alguns dizem que "amor é decisão". Alguns dizem que ele é um sentimento. Aqueles que não sabem definir, dizem que ele é tudo. Outros dizem que "Deus é amor". Isso não ajuda muito. Deus é indefinível.
Aí a questão apenas se complexifica. É possível conceituar e definir o amor? Quem sabe dizer o que é o amor?Quem sabe o que é amar?
Quando alguém diz que ama uma coca está querendo expressar o mesmo sentimento que sente por um outro alguém?
É possível escolher amar? Seria possível escolher amar como se escolhe uma camisa para passar o dia? É possível escolher amar como se escolhe um pacote de biscoitos no mercado da esquina? Amor é um sentimento?
Que coisa tão estranha e tão complexa é esse tal de amor? 

Penso ser muito estranho ficar repetindo "eu te amo" sem saber o que o amor significa.
Alguns dizem: "Para mim, o amor é isso...". E então dizem que amam. Ma será que assim o problema se resolve? Será que o amor é simplesmente uma sensação corpórea ou uma ideia da psiquê que cada indivíduo nomeia e sente de um jeito?

Quem és tu amor?

Estou longe de saber. No entanto, em minha existência estranha, vez ou outra sou tocado por alguém. Vez ou outra um humano, não um humano "qualquer", mas um humano que faço meu, consegue me tocar. Me toca a tal ponto que me faz ter um vislumbre do amor. Às vezes sem fazer nada. Às vezes simplesmente por existir. Nesses momentos, ouso dizer eu te amo. Talvez o amor seja isso, essa coisa que a gente não sabe o que é e vive à procura de descobrir, mas que de certa forma já sabe. Talvez ele seja semelhante àquela manhã em que corremos pra frente do espelho e descobrimos que a gente é a gente. É algo que a gente traz entranhado na pele, pulsando nas veias, entrando e saindo dos pulmões.

Deve mesmo existir. Esse tal de amor. E deve ter feito algo de muito grave, para que tanta gente procure por ele. E não deve ser tão fácil de ser encontrado, caso contrário, não seriam tantos que dizem que o encontraram mas que não demonstram isso no seu existir.

Eu te amo, diz simplesmente que eu encontrei o amor. E se eu encontrei o amor posso continuar sendo o mesmo? Uma vela exposta ao vento pode não navegar? O fogo em palha seca, pode não se alastrar?

Eu te amo diz que encontrei o amor. Eu te amo.
É... Estamos longe de saber o que é.