sábado, 6 de dezembro de 2014

Para onde foi o amor?


Me pergunto para quem são hoje tuas juras de amor. Para quem os beijos? Para quem os arrepios?
Para quem seus lábios abrem em um sorriso? Para quem fazes o telefonema só para ver como está indo o dia?
Para onde foi o amor que em seu peito morava? Onde escondeu-se o calor que nem mesmo um oceano inteiro gelava? Onde foi a velha chama que nada no mundo apagava?
Será que passou, como tudo passa? Como os tempos de criança que só ficam na memória? Como momentos tão singelos que ecoam na história? Perdeu-se no tempo e no espaço? Acabaram-se os nós? Desfez-se o laço?


Onde foi amor? Será que ainda mora em mim?
Será que já morou?

Será que morará?
E se vier, insistirá em tardar?


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Acreditava

Acreditava no céu. Quando olhava para cima via pássaros.
Deixei de acreditar.
Os pássaros sumiram.

Acreditava no mar. Quando nele mergulhava nadava com peixes.
Deixei de acreditar.
Hoje parei de mergulhar.

Acreditava na terra. Caminhava sobre ela.
Deixei de acreditar.
Não tenho onde caminhar.

Acreditava em mim.
Deixei de acreditar.
Sou mentiroso.

Acreditava em nada.
Deixei de acreditar.
Não acredito em nada.

A porta

Abri a porta de casa.
Chamei uma moça que passava na rua.
Ela me deu uma pedrada.
Chorei. Sangrou.

A porta de casa aberta.
Eu sangro e choro.
Quero entrar,
Enquanto a moça se vai.

Tenho medo.
Medo de entrar e nunca mais abrir a porta.
Tenho medo da porta.
Ela abre e fecha.

Tenho medo da porta.
Sou eu que a abro ou a fecho.
Tenho medo de mim.
A porta é minha.

A porta sou eu.

Devo, Não nego e não pago

Às vezes queria mergulhar no poema
E me fazer poesia.

Eis aqui meu dilema:
Não ser o que devia.

O que devo
Não pago.

Estou em débito,
Sem pagar.

Processe-me
Que eu processo-me.

Procurando eu

Me procurando, esbarrei comigo. Dis(z)traida-mente. Foi só quando deixei de procurar com atenção e me deixei ao acaso, é que me achei. Olhei em meus olhos e me olhei de volta. Peguei minha mão e ela me pegou. Beijei minha boca e cuspi. Cuspi eu.
O eu que encontrara não era tão eu. O eu que cuspi, nem sei se era eu. Afinal de contas, quem eu era? Quem eu sou? Meu encontro comigo, foi desencontro.
Procurando quem eu era, perdi o que sou. Perdendo quem eu era, me tornei o que sou. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?
Quem poderá me achar, se sou desencontro? Onde vou, lá estou. Ao me procurar, já fugi. E na fuga um encontro. E no encontro, desencontrar.
Eu, eu, eu. Quem eu sou?

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Arrumação

Dia de arrumar:
O armário e a vida.


Jogando fora textos velhos,
Palavras velhas,

Eu's velhos.

Dia de pensar:
Como voa a vida!
Se abrir a gaiola ela voa.

Nostalgia. Saudade boa do que foi e não mais é.
Saudade do que não foi e pode ser.

Dia de ar-rum(o)-ação.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O Fim

Com essa dança estranha me des-peço da música. 
A última valsa.

Com esse falsete encerro a canção.
A última palavra.

Com esse toque paro de tocar.
O último instrumento.

Com essa voz paro de falar.
As últimas palavras.

Com essas lágrimas paro de chorar.
Fecho os olhos.

Não mais porta aberta. Não mais convite de festa.
Nem de funeral.

A casa se fechou. A missa acabou.
Não temos vagas. Estamos fechados.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Paciência desesperada

Ele espera. Pacientemente em meio ao desespero. Aquele desespero calmo que ele conhece tão bem.
"Onde estás?", pergunta. Mas não há resposta. Pelo menos não audível. Já aprendera a ser par-tido.
Mas ansiava por ser um. Um feito de dois. Nós feitos de nós. Laço feito de abraço. Como o compasso que encontrou seu papel e se coloca a com-passar.
Ele era dela. Ainda que a não conhecesse.
Cansara-se de se enganar. Não mais queria se ilud-ir. Preferia estar quieto e em silêncio.
Tenha paciência desespero. Em breve será tempo de desenhar.

sábado, 4 de outubro de 2014

Ausência de Calma

Desconheço aquilo que um dia presumi conhecer.
Se há amor,
Ele se esconde atrás do sofrer.

A criança que brinca
Se surpreende ao quebrar o brinquedo.
Assim é o amante
ao se deparar com a concretude de seu pior medo.

Os olhos altivos acostumados a ver o banal
Se ressentem feridos ao contemplarem uma vez mais a face do mal.

O doce caos que outrora bailava
Dá lugar a amarga paz que não se desejava.
Como é cruel o sossego que agora inunda sua alma
Banhando-a no desespero da ausência de calma.

Ele grita em silêncio pela lâmina pungente
Que traspassa seu peito,
Embebida em veneno de serpente.

Suas faces se contraem e sua alma chora
Mutilada e ferida, sentindo o peso do agora.



Insensível

Foi assim: De repente e gradativamente. Como uma borboleta que quebra o casulo. Des-cobri o que não mais poderia esconder. Estava ali. Outra vez. Onde jurara não mais ir. Meus pés trôpegos aprenderam a andar sós. Não mais pediam meu consentimento para o rumo que tomavam.

Podia des-conversar. Tentava mesmo fingir (e fugir), mas já era tarde demais. Me encontrava cativo.
Cativado e em cativeiro. 


Pensei, tolamente, que poderia resistir. Não podia. Agora sei. Amarguei quando senti na boca o gosto do mel que agora me doía, doce e amargo como vinagre. Parece que aquilo que fingimos evitar é o que sempre acabamos encontrando.

Seus olhos idiotas. Dois globos ridículos, penetrantes e belos, fixados em sua cabeça estúpida, juntamente com seu sorriso deslumbrante e maldito. Como era intenso esse olhar. Perscrutando-me, invadindo-me, dilacerando-me. "Coma sua carne", podia vê-los dizer. "Destrua sua alma. Faça como antes. Até que ele não mais seja. E possamos encontrar outro estúpido pelo caminho."

Não desta vez. Me fiz cego para não ver seus olhos. Me fiz surdo para não ouvir sua voz. A lepra me consumiu, a fim de que não precisasse sentir seu toque. Me fiz des-caminho para que não pudesse andar sobre mim.

Eu's


Quando levantei pela manhã vi um rosto no espelho. Aprendi a chamá-lo de eu, pois aqueles que passei a reconhecer como outros, diziam que era eu.
Uma criança. O rosto que eu vi era de uma criança. Dia após dia, vez após outra, instante após instante aprendi que eu era eu. Mas como pode ser que aquela pessoa que vai deitar e "apaga", seja ela mesma ao acordar? Quem foi dormir? Quem acordou? Me disseram que era eu.

Mentira.
Fui crescendo. E o rosto que hoje vejo, não é mais de uma criança. Não é bem também o de um homem, mas ainda sou eu. Ou melhor, será que ainda sou eu? Quem afinal de contas sou eu?

Pensei que o eu fosse um único indivíduo, crescendo, mudando, amadurecendo, até morrer. Me enganei. Descobri que não sou eu. Sou eu's. 

Ontem era um, hoje sou outro, daqui a pouco mudo de novo. Ontem usava calça, hoje uso bermuda, amanhã quem sabe, fique nu? Não sou uno. Sou múltiplo. Sou mudança, inconstância, loucura, delírio, devaneio, divagação.

Sou ator. Para minha mãe finjo ser filho. Para minha profissão finjo ser profissional. Para a namorada finjo ser namorado. Para meus amigos finjo ser amigo. Para quem me vê no ônibus enceno ser um passageiro. Mas eu sou passageiro. Talvez isso seja a única coisa que eu não finja: ser passageiro. E de tanto fingir, finjo para mim que sou eu. 
Eu fui eu. Um dia fui.
Mas ao acabar de escrever, ou no meio do texto, já deixei de ser. 
Agora sou outro. E outro, e outro, e outro...

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Fogo

"As chamas vão consumindo tudo que há na frente". Foi a frase que ele ouviu no jornal. O fogo. O elemento incontrolável e destruidor. Fonte de calor e de proteção, mas ao mesmo tempo de morte e destruição. Tudo consome.
Na reportagem ele viu as labaredas serpenteado num balanço gracioso e terrível. "(...) consumindo tudo que há na frente." A frase continuava ecoando. Dentro dele. E começou a consumi-lo também.
O elemento mortífero e vital saiu da televisão e começou a lhe queimar. Queimou suas vestes. Queimou sou pele. Seus músculos. Sistemas. Órgãos. Ossos. Queimou tudo. E continuou queimando.

Seus sentimentos entraram em combustão. Sua alma se tornou cinzas. Suas lágrimas evaporaram.
Eis o poder do fogo. Consumir tudo, queimar o que houver para ser queimado e continuar sendo fogo. Até não ser mais.

sábado, 20 de setembro de 2014

Paixão

Da primeira vez que experimentei foi bom. Uma miríade de sensações que me eram até então, desconhecidas e que passei a desejar novamente, invadiu-me. Na segunda vez o efeito não diminuiu, mas depois de uma terceira, quarta, quinta e do efeito passageiro, a gente começa a perder a graça. Porém, bem lá no fundo, fica aquela expectativa de atingir o ápice do prazer ao experimentar uma vez mais.

"Uma vez em que tudo pode ser diferente. Uma vez em que todos os efeitos passageiros sejam compensados pela duração."
Frio na barriga, mãos tremendo, pernas bambas, escola de samba no peito. Pensamentos com um único alvo humano o dia inteiro: você. O sono vai embora porque o medo de sonhar contigo e não te ter ao acordar é grande demais. O corpo e a alma desesperados para entrar em contato com sua pele, seu cheiro, sua boca, suas emoções, suas palavras...

Coisa cruel é o vício. Ter desejo por algo que se sabe não trazer benefício.
Coisa cruel é a paixão que sempre traz gotas de felicidade e oceanos de desilusão.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Aprender a Perder

Sempre gostei de ganhar. Ganhar nas partidas de futebol. Ganhar jogando vídeo game. Ganhar guloseimas, roupas, brinquedos, presentes, gestos de carinho. Ganhar afeto.
Ganhar é cômodo. É prazeroso. É "bom".

Perder, pelo contrário, sempre se revela uma tarefa difícil. Penosa. Dolorosa, até. Mas também acontece.
Talvez ainda mais que o ganhar.

Conforme vai-se avançando na estrada do existir e este vai se descortinando, começa-se a aprender a sutil arte de perder, a lidar com a derrota, com o fracasso, a decepção.
Como diz um certo autor que gosto muito: "o mundo não é uma fábrica de realização de desejos." Desde cedo nos deparamos com a perda. E fui descobrindo que, apesar de doloroso, perder é bom. Perder abre espaço. Espaço para que algo novo seja ganho. Talvez soe como frieza (e talvez para aprender a perder tenhamos que começar a perder calor), mas as coisas que perdemos, por mais importantes que sejam, perdem um pouco do valor com o passar do tempo.
Com o tempo se descobre que aquilo que era imprescindível, na verdade, era prescindível. Que apesar das perdas, continuamos a viver. 
Aprender a perder... Eis uma tarefa para toda uma vida. Vida essa que um dia também iremos perder.
Perder e ganhar andam de mãos dadas. Uma dialética bem expressa em: "se alguém quiser salvar sua vida perdê-la-á", pois a vida é o que acontece enquanto tentamos ganhá-la.
Perder é necessário. Perder é preciso.
Perder o rumo pode nos levar a lugares novos. Perder as certezas pode nos levar à descobertas.
Perder tempo pode ensinar a valorizar o tempo.

É preciso olhar a vida sempre com os dois olhos e não somente com um. 

Como diz a máxima nietzschiana: "Da escola de guerra da vida - o que não me mata, fortalece-me."

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O Som do Silêncio

Ele se sentou lenta e pesadamente. Sucumbiu ante o peso de seu corpo naquela débil cadeira de madeira que possuía um aspecto velho e gasto, como se fosse partir-se ao menor contato, mas que resistiu bem. Às vezes as coisas de aparência frágil resistem a grandes pesos.
Ali sentado ele ouviu. O som do silêncio. O som de todas as palavras não ditas e mal-ditas reverberando dentro dele. Ele ouviu silêncio onde outrora houvera música. E ele soube. Soube que o silêncio fala. Timidamente. Em sussurros. Às vezes aos berros. Através de mímicas. Através de olhares. O silêncio é sempre um dizer. Um dizer mais profundo que apenas quem aprendeu que há mais a dizer do que as palavras podem expressar sabe ouvir.
Ele ouviu também o vazio. Onde aquilo que deveria ser dito e não foi começou a fazer falta. Onde deveria haver dizer e nunca houve. Talvez porque não houvesse nada além de vazio. Se é verdade que nada havia a ser dito, jamais haveria silêncio, pois o silêncio só existe onde é preciso falar. O vazio, por sua vez, está onde nunca houve nada.
Permaneceu em meio ao ressonante silêncio e ao esmagador vazio. Esperando. Somente esperando.
Paciência. O silêncio fala. O silêncio fala o que a boca cala.
O vazio, embora mudo, também anuncia uma mensagem: nada. Nada houve a ser dito. Nada houve a ser calado. 
Nada. Onde ele queria que houvesse algo.
Realmente o mundo não é um pai amoroso que traz presentes. É um mestre cruel que ensina pelo abandono. Seu ensino é lento, doloroso, profundo. As pernas vacilam, mas com o tempo aprendem a suportar. O corpo em declínio um dia aprende a levantar. A lágrima a cair, talvez aprenda a voar. Ou não.
Talvez nada fosse tão importante afinal. Talvez no lugar do silêncio, tudo fosse vazio.
Vazio de cor. Vazio de sons. Vazio de formas. Vazio de sentimentos.
Somente uma possibilidade vazia.
Vazio de certezas e de dúvidas. Vazio de tudo. Puro vácuo. Puro buraco sem fundo em plena queda.
Bem ali. Naquela velha cadeira.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Cegueira

Seus olhos que durante tanto tempo contemplaram a escuridão agora começavam a se abrir. Ele olhava para alguns lugares e via formas, contornos, aparências. Quando mudava a direção do olhar ficava cego. Mas não mais. Ele passara a ver. Não claramente, mas cruamente.
Descobriu o que o impedia de ver antes: a paixão e a proximidade.
Quando se está muito perto e apaixonado a visão perde sua agudeza. A paixão é como um veneno poderoso injetado diretamente nas meninas dos olhos para tirar-lhes a dança, para matar sua capacidade de ver.
Quando a distância chega perto e a paixão começa a declinar o espírito dos olhos volta. A música começa a soar novamente e a dança recomeça. 

As meninas de seus olhos estavam dançando outra vez. A negritude que via agora ganhava cor. Formas se formavam. Podia ver. Uma visão libertadora, mas que às vezes fazia com que preferisse ser cego.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Peixes e pássaros

Um dia a navegar.
Observando as águas te vi.
Que peixe interessante,
Pensei comigo

Por que não?
Te encontrei em minha rede.
Lá comecei a falar contigo.

Eras peixe que com outro nadava.
Te tornastes peixe a nadar só.
Por quanto tempo hás de continuar?

Quero me fazer peixe e contigo nadar.
Quem sabe se quando juntos nadarmos na mesma rede
Não deixaremos de ser peixes e voaremos juntos como pássaros?

Poderás pousar ao meu lado. Poderei pousar ao teu.
Pode ser que façamos um ninho.
Quiçá surja um passarinho
E os peixes passarão.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Água Viva

Ausência de fome. Não por plenitude. Não por saciedade. Simplesmente por ausência.
A boca amarga. Os rins sentem picadas. A cabeça dói. A alma chora.
Foi violentada. Vez após outra. Repetidamente.
Espancada. Cuspida. Estuprada.
Então ela chora. Chora na esperança de ser ouvida. Chora na esperança de ser salva.

Grito. Silêncio. Grito. Silêncio.
Ausência. Presença. Presença. Ausência.

Ir e vir. Empurrar e puxar. Dança descompassada.
Instrumento desafinado.

O sonho não mais vem, pois não há sono.
Permaneço a-cordado. Cansado. Desejoso de dormir, mas a-cordado.

A voz não sai da garganta seca. Preciso beber.
A sequidão não sai da vida seca. Preciso me molhar.

Vontade de me afogar. Me afogar em Água Viva até ficar encharcado.
Até deixar de ser seco.
Até voltar a viver.
Até lavar a alma.
E poder viver com calma.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Arco-íris

Hoje cheguei a conclusão que sou arco-íris. Sou composto por várias cores que surgem em uma situação propícia pela incidência de determinados raios de luz.
Dou sorrisos amarelos. Às vezes fico roxo de raiva, vermelho de vergonha, azul de fome.
Sou um arco-íris meio estranho. Não sei direito quais cores possuo, a organização exata delas, suas diferentes matizes e gradações. Não sei quais cores faltam, mas consigo perceber quando uma delas se sobressai. Consigo perceber quando uma delas se sobrepõe sobre as outras. Consigo perceber quando uma delas se esconde timidamente.
Tenho aprendido a reconhecer minhas n(m)u-(d)anças. É meio difícil decifrar um arco-íris. Não é palpável. Não é sempre observável. Ele surge depois das chuvas, das molhanças. Se revela pelo contraste da luz com a água. Luz e água. Sempre muito a revelar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Poesia

Nessa brincadeira de fazer poesia me fiz pó-e(s/x)-ia.
Pó-és-ia. Me fiz o pó que és, por onde ia.
O pó que sou por onde vou.
(Por onde vou?)

O pó que serei por onde irei.
(Por onde irei?)

Também me fiz o pó que serei onde não irei.
Lugares em que não estarei.

Gente

Não gosto muito de gente bem definida, que sempre sabe o que quer. Gente que tem todas as respostas, que sabe bem onde quer chegar. Gente que tem o mapa da viagem, que guarda tudo em um embrulho. Gente que deixa a papelada toda preenchida, o armário todo organizado.
Não gosto muito de gente que não se define, que nunca sabe o que quer. Gente que não possui resposta alguma, que mal sabe para onde vai. Gente que nem sabe que há viagem, que nada guarda.
Gente que não assina os papéis e nem arruma o armário.
Não gosto muito de gente que não sabe que é gente, que não sabe o que é querer. Gente que não conhece as perguntas e nem tem lugar pra ir. Gente que esqueceu de viajar, que nada tem para deixar guardado.
Gente que não tem papéis nem armário.

Gostar de gente é esquisito. Sobretudo porque a gente não gosta muito da gente.
Alguém sabe me dizer o que é gostar de gente? O que é gostar da gente?
Alguém sabe me dizer pelo menos o que é gente?


O Espaço e a Partida

Quando houve proximidade deu medo. 
Então houve o espaço. 
No princípio uma fenda. 
Depois uma passagem e, por fim, uma estrada. 

Quando o espaço se fez estrada a proximidade se fez partida. 
A partida foi caminho e quebra. 
Me fiz an-dança. 
Me fiz par-tido.

Andei e desandei por caminhos e descaminhos que às vezes nem sei. 
Em meu par-tido reconheci pedaços. 
Alguns deles continham laços e outros até mesmo nós. 
Em minha parte-ida conheci faltas e desconheci coisas das quais pensava algo saber.

Desconheço pessoas que um dia cuidei conhecer. 
Findaram-se amores que um dia jurei amar. 
Nasceram dores de onde um dia foi sonhar.

Se há saudade? Claro que há. 
Perguntei pro partido porque a saudade se dá.

Ele me disse que é porque onde um dia a alma repousa, é para onde quer voltar.

Como colar uma vez que me fiz par-tido? Como voltar quando a proximidade se faz parte-ida?
Como par-ar quando se acostuma a ser an-dança?


Não sei. Só sei que faço poesia.
Poesia não tem rosto nem dono. A não ser o rosto que se dá. A não ser o dono que se é.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Dança e a Chuva

O céu está nublado,
Mas há sol lá fora.

Há um cheiro de umidade
Inebriante.

As nuvens dançam freneticamente
Tingidas de um cinza escuro.

Está chovendo.
Aqui dentro chove.

Chove enquanto as nuvens dançam.
Chove e a dança continua.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Brinquedo Tosco

Ele mal se aguentava em pé. Já fazia algum tempo que se encontrava assim. Sua coluna vertebral já não parecia sustentá-lo. Se sentia meio mole. Andando feito gelatina. Amigos ele não tinha. Apenas sua velha companheira, cada vez mais presente, a tal da solidão. Ele a desejava. E ela sempre parecera querê-lo por perto. Ambos estavam estreitando cada vez mais a relação.
Quando conversava com alguém, tudo que via eram rostos estranhos. Ele era sempre a peça do quebra-cabeça que não encaixava. Talvez ele tivesse defeito. Já havia algum tempo desde que ele aprendera uma palavra para se definir: deslocado. Ele era um deslocado. A peça que não se encaixa. Aquela peça que ninguém sabe para que serve e que causa algum incômodo, mas que as pessoas costumam deixar no lugar para não estragar o aparelho. Talvez para alguns ele fosse como uma etiqueta de roupa. É algo que se deixa onde está simplesmente pelo costume, pois após algum tempo não tem mais serventia.
Ele era um brinquedo tosco. Uma chuva nada querida em um dia de colheita.
Dizem que se deve buscar o equilíbrio. O meio termo. Mas como se faz quando não se pertence nem a uma metade, nem a outra, nem ao meio? Como se faz quando seu lugar não é em cima, nem embaixo, nem na intercessão entre eles? O que fazer quando não se está nem em um lado do campo, nem no outro, nem na linha?
Ele era deslocado. Não era normal, não era louco e nem meio louco. Ele era comum. Mas ainda assim, era algo comum que não é fácil de classificar. Ele era sempre aquele brinquedo da criança que, quando arruma-os em uma prateleira, coloca os preferidos na frente, os mais ou menos atrás e os indesejados guarda na caixa. Ele era o brinquedo que caiu atrás da estante e a criança nem se lembrou.
Ele era um céu cheio de nuvens num dia chuvoso. Algo óbvio demais, mas que ao mesmo tempo é cheio de mistério. Sua aparência era meio cinzenta, enevoada. Possuía uma presença que se fazia notar, mas que ao mesmo tempo passa desapercebida.
Ele era um brinquedo tosco. Um brinquedo sem lugar. Um brinquedo com quem ninguém brincava. Um brinquedo que não tinha ninguém para brincar. Um brinquedo acumulando poeira atrás da estante e que caiu lá sozinho. Um brinquedo sem criança. Um brinquedo sem brincar.

Pontuação

A cada dia sou ponto.

Ponto final.

Vírgula,

Ponto e vírgula;

Exclamação!

Interrogação?

Dois pontos:

Hoje sou reticências...

domingo, 27 de julho de 2014

Andava

Andava.

Sempre pelas mesmas ruas.
Pelas mesmas esquinas.

Sempre pelas mesmas ruelas.
Pelas mesmas avenidas.

Sempre pelas mesmas praças.

Até que um dia,
Resolveu
Mudar.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Pedaços

Li em um livro que os pedaços perdidos não cabem mais dentro da gente depois que a gente os perde. É como se um vidro se estilhaçasse e tentássemos juntá-lo novamente. Mesmo que conseguíssemos reunir todos os fragmentos, ainda haveria algo errado. Aquela totalidade inicial, que fazia com o vidro fosse um, se partiu.
Não se faz um inteiro com pedaços soltos. 
Geralmente, quando uma pessoa se aproxima de nós é porque se interessa em algo. E não no alguém que somos. As pessoas se preocupam muito mais com nossos pedaços do que conosco. Querem apenas um pedaço que possam retirar, que possam usar e depois jogar o "resto" fora. 
Há amizades que se uma das qualidades ou atributos se perdessem, acabariam na hora. Há romances que se uma pequena mudança ocorrer, entram em declínio. As pessoas não querem a unidade. Elas, nós, queremos pedaços. Um pedaço de inteligência, outro de beleza, outro de bom sexo, outro de diversão, outro de companheirismo, outro de bom humor. Se não houver um pedaço, a gente joga fora o bolo. O bolo não interessa. Interessa aquele elemento diferente, o glacê, os pedaços de chocolate ou algo de enfeite. O bolo em si é desinteressante.
A gente vai perdendo pedaços e ganhando pedaços ao longo da vida. Alguém pega um pedaço nosso e às vezes deixa outro no lugar. Quando se pega pedaços e deixa pedaços, em certa medida os relacionamentos são saudáveis. O problema é quando só uma das partes pega os pedaços. É quando alguém só dá e alguém só suga. Relações parasitas. 
Fato é, que nenhum ser humano pode nos amar por inteiro. Nem nós nos amamos por inteiro. Isso se dá, principalmente porque não nos conhecemos por inteiro. Pode-se vir com um discurso humanista de auto-estima e blá, blá, blá. Mas a verdade, é que o fato de não gostarmos de nós já implica um profundo amor por si próprio. Eu me amo egoisticamente a tal ponto, que desgosto de mim por não corresponder minhas expectativas narcísicas. Eis a razão porque o conceito de auto-estima soa absurdo. Todo indivíduo se ama, ainda que não esteja feliz consigo.
O bacana mesmo é encontrar alguém que esteja interessado no bolo inteiro e não somente em partes dele. Embora ninguém vá nos conhecer por completo, há pessoas que querem devorar o bolo. Estão dispostas a ter diarreia, a engolir não somente o que gostam de comer do bolo, mas ele inteiro. É bom encontrar pessoas assim. É difícil, mas vez ou outra surge alguém.
E os pedaços que perdemos, aqueles que se vão e levam algo de nós... Não cabem mais. Não da mesma forma. Não há como repor um pedaço perdido. Pode-se ganhar um pedaço novo que se encaixe melhor que aquele, mas o mesmo pedaço não causa mais harmonia no conjunto. Somos uma totalidade que quando um pedaço é retirado, se modifica completamente. Se adapta para suprir a falta do pedaço. Somos uma totalidade feita de fragmentos, mas que não é fragmentada.
Aproveite seus pedaços. E não se preocupe se um deles se perder. Em breve se encontra outro para colocar no lugar.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Aquele que não é

Enterrado.
Cavando por baixo da pele.
Roendo por debaixo da unha.
Saindo pelos poros,
pelas órbitas dos olhos.

Em segredo.
Em silêncio.
Em suspensão.
Devaneio.
Solidão.

Um grito de ardência.
Um vazio de carência.
Um hiato de ausência.
Do que não mais é.

A peça que não se encaixa.
A procura que não acha.
O brinquedo fora da caixa.
A criança com mordaça.
Que não sabe brincar.

Dança sem ritmo.
Barco à deriva.
Trem de chegada e de partida
Que não sabe onde ir.

Quer entrar ou sair?
Acordar ou dormir?
Falar ou grunhir?

Dormindo sem sono.
Acordado sem dono.
Frieza e abandono
É tudo o que conhece.

Afago negado.
Desejo não realizado.
Amor não correspondido.
Amizade sem amigo.

Nada és, senão tua solidão.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Primeiro Amor

Dizem que o primeiro amor não se esquece. Concordo. Mas diria que não é bem o primeiro.
Diria que são os primeiros.
Se cada vez que se entra em um rio não se pode entrar no mesmo duas vezes, também não se pode entrar duas vezes no amor. Cada dia a pessoa que ama é uma. Cada dia a pessoa que é amada é uma.
Não há como amar a mesma pessoa sempre.
O amor é algo que marca. Embora ninguém saiba dizer o que é, todos que já amaram sabe que ele muda a gente. Ela arranca um pedaço ou dois e troca por outros pedaços. E justamente essa troca de pedaços que torna-o exclusivo, inesquecível.
Ele muda. Constantemente. Muda porque mudamos.
Houve um momento na vida de cada um em que um primeiro dos primeiros amores ocorreu. Esse é o mais profundo. Não me refiro a uma paixãozinha momentânea. Me refiro a algo de tirar o fôlego. A um sentimento que faz o coração bater mais rápido, como se cavalos galopassem dentro do peito, só de pensar ou ouvir o nome da pessoa. O estômago revira-se e uma leve brisa percorre o interior, ali, na alma. 
O primeiro. O primeiro de todos.
É algo como uma droga. Talvez seja isso que nos faça desejar amar. Buscar sentir a mesma sensação da primeira dose de amor. É por isso que buscamos vez após outra. Até ter uma overdose.
Embora o primeiro dos primeiros seja marcante, ele pode ser superado.
O primeiro amor...
Há sempre a possibilidade de um novo primeiro amor. Sempre a possibilidade de uma nova primeira sensação. Sempre a possibilidade de uma nova overdose.

Onde Nascem os Homens?

Os homens nascem.
Nascem da terra.
De cada enxadada que sulca o chão.

Os homens nascem.
Nascem da guerra.
Do tiro disparado da arma e da bala de canhão.

Os homens nascem.
Ajoelhados em silêncio
Num quarto de oração.

Os homens nascem.
No raio do sol que desponta pela manhã.

Os homens nascem.
Nos lábios úmidos de uma mulher.
No colo quente onde encontram morada.

Os homens nascem.
No abraço da morte
Que lhes faz adormecer.

Os homens nascem.
Do papel e da tinta
E pulam para o mundo.

Os homens nascem.
No silêncio que fala
E na palavra que cala.

Os homens nascem.
Ou não.

domingo, 13 de julho de 2014

Papel e Sangue

Sangrei no papel.
Das gotas de sangue brotaram

Letras e Palavras.

Sangrei no papel.
Ele se sujou de sangue.

Sangrei no papel.
Me sujei de papel.

Sangrei no papel.
Eu sou papel.

Sangrei no papel.
Eu sou sangue.

Sangrei no papel.
Nasceu poesia.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Namorar

Nunca namorei ninguém. Não no sentido usual da palavra namoro.
Confesso que isso talvez seja estranho, mas já namorei de outras formas.
Parece-me que a maioria das pessoas que "namora" nunca namorou de verdade.
Na-morar é morar em algum lugar, ou mais especificamente, morar em alguém. É habitar em alguém e ser habitado por alguém.
Na-morar é morar-na. Morar na outra pessoa com quem me relaciono. É ser aquele lugar onde se quer estar depois de um dia cansativo de trabalho. É aquele lugar onde se quer descansar, colocar os pés no sofá, deitar até tarde, trocar de roupa, tomar banho, fazer as necessidades, se alimentar, ficar nu, adormecer.
Não tenho visto muitos namoros. Vejo muitos beijos na boca, muito sarro, muito sexo, mas não vejo namoros com tanta frequência.
Parece que não é fácil namorar. Não é fácil habitar e ser habitado. Não é fácil cuidar e ser cuidado. Não é fácil amar e ser amado.

Quero namorar e ser namorado.



Baseado no belíssimo poema que transcrevo abaixo:


Semântica II

Quando digo:

- Quer casar comigo?

Quero dizer:

- Se eu me transformar em uma casa

você mora em mim?

zack


(Copiado da página do Facebook Extremo Violeta - Poesia).

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Veneno

Intragável veneno.
Efeito causticante.

Ao tocar os lábios, arde.
Na língua, corta como diamante.

Néctar divino.
Bebida embriagante.

A um desperta, ao outro adormece.
A um liberta e ao outro entorpece.

Veneno e cura.
Doce e amargura.

Vitória e ruína.
Glória e ignomínia.

Vida e morte.
Jogo de azar e de sorte.


Ausência

A resposta
que nunca vem.

O sorriso
que não foi dado.

O desejo
que não é satisfeito.

O abraço
sem braços.

O beijo
sem boca.

O olhar
sem olhos.

O toque
sem pele.

A cor
escura.

A imagem
borrada.

O rosto
desfigurado.

O sonho
que ainda não acordou.

A escultura
não esculpida.

A música
sem som.

O artista
sem o dom.

O sexo
sem genitais.

A esperança
sem futuro.

O adeus
sem partida.

O amor
sem amor.

Eternidade Temporária

Muitas coisas são eternas. Há amizades eternas. Amores eternos. Sonhos eternos. Desejos eternos.
Muitas juras eternas são feitas na eternidade. "Há de ser eterno..."
Com o passar do tempo, o que era eterno sucumbe. Se desintegra. Se esfacela. Se quebra. Acaba.
Para onde foi a eternidade das coisas eternas?

Ela nunca existiu. Sua temporalidade foi encoberta por um tempo, mas ao se banhar em uma poça de realidade surgiu violentamente e com um grito de quem diz: Eis-me aqui!

Nossas eternidades não existem. São apenas temporalidade maquiada. São apenas uma criança calçando o par de sapatos dos pais e  fingindo ser adulta. É apenas algo que não é, fingindo ser. É pura dissimulação.

A verdade é que nossas coisas eternas são finitas. Elas não são apenas finitas. Elas também possuem um começo. O que é realmente eterno, está fora do tempo, não possui começo nem fim. O que começa sempre está imbuído da possibilidade de se findar. É por isso que amores eternos acabam. É por isso que amizades eternas acabam.

Como é curioso encontrar com alguém que foi seu melhor amigo durante muito tempo e ao olhá-lo nos olhos perceber que a pessoa que está diante de si é outra. É alguém que não mais se conhece. E perceber que também é outra pessoa o eu para quem o olhar desse outro se dirige. 

O tempo nos muda. O tempo nos cura. O tempo nos adoece. O tempo nos enobrece, nos envilece, nos acresce, nos decresce e nos destrói. O tempo acaba com nossas eternidades. O tempo acaba com nossas eternidades temporárias.
Ele mostra que elas nunca foram eternidades.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Voz

Quando uma única voz quero ouvir
As vozes de todos vós não são voz.

Quando uma pele quero sentir
As peles de todos vós não tem sentido.

Quando uma única boca quero beijar
As bocas de todos vós não tem sabor.

Quando teu brilho quero ver
Os outros brilhos são escuridão.

Uma voz. Uma voz somente.
Uma voz.Uma voz semente.

Uma voz. Soa como um grito na multidão.
Uma voz. Nada mais.

Voz. Tua voz.
É ela que meus ouvidos aprenderam a ouvir.

Desilusão e Desencanto

Há algum tempo aprendi que uma dose de ilusão é sempre necessária. É sempre preciso que a gente fique meio tapado para gostar de algo ou alguém. Isso não é nenhum segredo. A gente costuma falsear um pouco a realidade para torná-la mais aceitável, mais "vivível". A realidade crua, sem nem um pouco de água ou gelo não dá para engolir. É forte demais. 
Falseamos a realidade em pequenas coisas do cotidiano. Um doce que gostamos e que é "o melhor doce do mundo", na verdade não é o melhor doce do mundo. Aquela pessoa que amamos e que é a "melhor pessoa para mim", "minha alma gêmea", "minha melhor escolha", na verdade não é isso tudo. Pode ser que existam pessoas com quem nos daríamos melhor...
Mas o que ocorre quando o encanto acaba? Quanto a solidez do sonho rui, quando a ponte da ilusão desaba?
O que ocorre quando o doce encanto se torna em amarga realidade?

Tudo que desaba sempre desaba em algum lugar. O encanto acaba para revelar outros encantos ou para mostrar a crueza do desencanto. A solidez rui para dar lugar a incerteza. A ponte desaba para mostrar que há abismos intransponíveis. 
Quando o doce encanto se torna amarga realidade há desilusão.

Aquilo que era falseado começa a aparecer. Os erros que já existiam se tornam mais gritantes.
As pessoas se tornam mais feias. As coisas se tornam mais coisas. O mundo se torna mais mundano.
As esperanças dão lugar as desesperanças. 
Não há perspectiva de cura. Pode-se curar alguém de qualquer coisa, mas não se pode curá-lo da realidade. Ela é uma doença sorrateira, que se infiltra debaixo da pele e vai destruindo uma a uma as células da ilusão. Ela não é transmissível, mas é gerada sexualmente, emocionalmente, intelectualmente, espiritualmente, humanamente. Seus sintomas são náusea, desânimo, indiferença, crueza, sinceridade, honestidade e um pouco de amargura.

Esse mundo mundano é fruto da desilusão. Essa senhora é esposa do desencanto. Eles estão aí. Andando descaradamente nas reportagens de tv, escondidos por detrás do que a mídia disfarça. Eles estão escondidos nos milhões de "eu te amo" ditos todos os dias. Estão escondidos nas pregações inflamadas de muitas pessoas que não vivem o que pregam. Estão presentes em todas as atividades humanas.

A desilusão e o desencanto são endemias humanas.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Coisado

Ele sentia uma coisa dentro do peito. Uma coisa que não sabia bem o que era. Pensou que saber seu nome não adiantaria muito. Chamou isso de "coisa" mesmo. Sentiu-se coisado. Esse sentimento estranho e familiar que ele sentia invadia-o, vulnerava-o. Estava coisado. E não sabia como se descoisar.
Seguia aos tropeços e ainda coisado. Estava meio desnorteado. Havia planejado algumas coisas, mas quem disse que dá para se traçar um roteiro para a vida?
Desde que seus planos deram errado, essa coisa dentro dele se agitara. Às vezes ficava calma como o mar sereno. Outras vezes parecia tempestade. Estava meio coisado e tempestuoso. Dentro dele era vendaval. Fogo ardendo no meio do mar, como se várias toneladas de óleo tivessem derramado dentro dele. Realmente, algo havia se derramado dentro dele.
Ahhh... Expectativas... 
Coisas estranhas essas senhoras...
Parece que foram elas que se derramaram. Já devia ter se acostumado. Mas ainda não havia. Pelo menos ele tivera coragem de fazer o que propusera. Se bem que as coisas não ocorreram do jeito que pensou.
É... O caos sempre adentra. O caos. Aquele indivíduo inoportuno, mas que sempre está presente e que encontra um jeito de se mostrar. O caos sabia que ele estava coisado. O caos sabia da escola de samba no peito dele. Sabia do iceberg em seu estômago.
O caos sabia... É por isso que o caos é o caos.
O caos sabia e se misturou com a coisa dentro dele. Agora ele estava coisado e caótico.
Coxeante, coisado e caótico.
Não sabia o que seria de si.
Só tinha certeza de um coisa: estava coisado. Continuava coisado. E ao mesmo tempo, queria e não queria se descoisar.

Maturidade

Quando eu era menino, queria ser o centro das atenções, queria que todos concordassem comigo, queria que meus amores fossem correspondidos e que o universo se movesse ao meu redor.

Quando comecei a entender o que é ser homem, busquei acabar com essas coisas de menino.
Não quero ser o centro de nada. É muita prepotência pensar que alguém tenha que concordar com o que digo. É muita imaturidade querer que as pessoas correspondam meus afetos. É muita idiotice querer que o universo mova-se pela minha vontade.

Não me sinto ainda no ocaso da vida. Não sou um sábio, um eremita ou um grande pensador. Sou uma chama bruxuleante que luta para se manter acesa. Não passo de um caniço rachado. O existir me fez amadurecer. O existir tem me colocado no meu lugar.

As crianças querem ser o centro. Elas precisam disso. Elas estão se construindo e precisam do olhar do outro constantemente para se confirmar. Todos nós, em parte, continuamos sempre sendo crianças.

Aqueles que querem que todos concordem consigo não aprenderam o valor da diferença. Não aprenderam que discordar é saudável, que pensar é necessário e censuram aqueles que o fazem. A verdade é que todos queremos ser uma divindade inquestionável. O estranho, é que o próprio Deus admite ser questionado acerca de algumas questões. Acerca de outras, a resposta Dele é que simplesmente Ele É Deus. Ele nos manda cavar a fim de que cheguemos até a rocha. E como cavar sem remover terra? Como cavar sem remover terra firme e intocada? Certezas necessitam ser abaladas para que algo com fundamento possa surgir.

Queremos ser amados e ser correspondidos. Gostaria de saber, de onde tiramos a ideia de que as pessoas tem obrigação de gostar de nós, de se apaixonar por nós, de nos amar como nós o fazemos por elas. Não existem amores não correspondidos. O que ocorre é que nós esperamos uma resposta do jeito que queremos, uma resposta ideal. A resposta ideal está junto das pessoas ideais: no mundo das ideias. E ainda que a resposta seja a que não queremos, as pessoas tem o direito de não nos amar. Quem criou as expectativas fomos nós e o outro não é obrigado a correspondê-las.

O universo não se move ao nosso redor porque nós somos uma partícula de poeira nele. Não faz a mínima diferença para o universo se morremos ou vivemos. Ele existiu antes, durante e depois de nós. O mundo não gira para as formigas, mas junto delas.

Chamo isso de maturidade. Reconhecer qual o meu lugar nessa dança chamada vida. Às vezes é tempo de dançar. Às vezes temos um par para dançar. Às vezes queremos parar para descansar. Às vezes simplesmente nos sentamos para descansar.
Há diferentes músicas tocando.
Há diferentes dançarinos na pista.
Ninguém é melhor. Ninguém é pior. Nem mesmo quem dança funk.

Lusco fusco. Crepúsculo. Anoitecer.

Tudo é dança. Tudo é música.
Reconhecer isso faz toda a diferença. Reconhecer isso é o princípio da maturidade.

Sentimentos e Palavras

Minha profissão demanda que eu tenha certo cuidado com as palavras.
É preciso cuidado para dizer e cuidado para ouvir.
No entanto, as palavras sempre se mostraram para mim como insuficientes. Elas são insuficientes para descrever um lugar, por exemplo. Como eu coloco em uma palavra um raio de sol? Como coloco em uma palavra a beleza dos céu, das estrelas ou da lua?
Como expressar com palavras o que demanda ser vivido, ser sentido, ser experienciado?
Como eu poderia descrever um beijo? Como eu poderia descrever o coito?
Como posso dizer o que é um abraço?
Como eu poderia descrever o que é necessário sentir?
Como eu expresso em palavras o amor ou o ódio, a coragem ou o medo, a esperança ou o desespero?

Como eu defino todo o peso do existir em uma palavra?

Perguntas... Muitas perguntas...

Ultimamente tenho indagado sobre a morte. Mas tudo isso são perguntas...

Quantos sentimentos cabem dentro de uma palavra?
E quantos sentimentos não cabem?

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Metrô

Ele sentou-se no banco ainda flutuando. E permaneceu flutuando em seu assento. 
A jovem ao seu lado perguntou-lhe se estava cansado. Realmente estava. Um pouco cansado. Um pouco sonolento, mas ao mesmo tempo, muito ele. Apoiou a cabeça na mão, com o cotovelo encostado na janela do metrô. Olhou para fora e viu os trilhos e as pedras, ficando para trás. Viu a grama, e se lembrou de quando a chuva cai, regando as plantas e o solo. O cheiro de terra molhada quase invadiu suas narinas. Era como se apenas ao rememorá-los, pudesse fazê-los existir.
Viu os trilhos ficando para trás e pensou no quanto de si já deixara para trás. Em como seu existir se esvaía depressa. Sentiu saudades do passado. Afinal de contas, era sobre isso que conversava com a jovem ao seu lado pouco tempo antes.
Lembrou-se dos seus entes queridos, ainda muito queridos, mas não mais entes. Daqueles a quem ele ama, mas que não mais existem. Curioso paradoxo: amar quem já não é, mas que ao mesmo tempo, jamais deixará de ser. Não eram estátuas ou obras de arte imortalizadas que ele trazia dentro de si. Era o próprio calor, o cheiro, a voz... São as próprias pessoas que moram dentro dele. Podem deixar de existir. Podem se afastar. Mas continuam morando dentro dele. É isso então o famoso co-existir - se apropriar de alguém de tal forma, que ele passa a morar dentro de você.
Os trilhos do metrô uma hora acabariam. Uma hora a viagem findaria. Mas eles sempre se lembrariam das rodas que passaram por ele.

Eu sempre me lembrarei das rodas que passaram por mim.

E é para vocês, que dedico este.
Queridas rodas que me marcaram e fizeram quem sou.
Queridas rodas que já não são, mas que ainda são em mim.
E sempre serão.

Amo vocês para sempre!

Porque não digo: "eu te amo" com frequência

"Eu te amo". Três palavras. Apenas três palavras. No entanto, quando essas palavras são ditas podem mudar vidas. E quando não são ditas também. Quantos relacionamentos não acabaram porque um "eu te amo" não foi dito? Ou quantos relacionamentos acabaram porque um "eu te amo" foi dito?
É estranho... Três palavras. Muito fácil dizer... 

Amor, em nossa sociedade designa uma série de coisas. Os bordões dizem: "Eu amo coca-cola". "Eu amo o dia das mães". "Eu amo isso, e aquilo, e aquilo outro...".
Mas o que é o amor?
Alguns dizem que "amor é decisão". Alguns dizem que ele é um sentimento. Aqueles que não sabem definir, dizem que ele é tudo. Outros dizem que "Deus é amor". Isso não ajuda muito. Deus é indefinível.
Aí a questão apenas se complexifica. É possível conceituar e definir o amor? Quem sabe dizer o que é o amor?Quem sabe o que é amar?
Quando alguém diz que ama uma coca está querendo expressar o mesmo sentimento que sente por um outro alguém?
É possível escolher amar? Seria possível escolher amar como se escolhe uma camisa para passar o dia? É possível escolher amar como se escolhe um pacote de biscoitos no mercado da esquina? Amor é um sentimento?
Que coisa tão estranha e tão complexa é esse tal de amor? 

Penso ser muito estranho ficar repetindo "eu te amo" sem saber o que o amor significa.
Alguns dizem: "Para mim, o amor é isso...". E então dizem que amam. Ma será que assim o problema se resolve? Será que o amor é simplesmente uma sensação corpórea ou uma ideia da psiquê que cada indivíduo nomeia e sente de um jeito?

Quem és tu amor?

Estou longe de saber. No entanto, em minha existência estranha, vez ou outra sou tocado por alguém. Vez ou outra um humano, não um humano "qualquer", mas um humano que faço meu, consegue me tocar. Me toca a tal ponto que me faz ter um vislumbre do amor. Às vezes sem fazer nada. Às vezes simplesmente por existir. Nesses momentos, ouso dizer eu te amo. Talvez o amor seja isso, essa coisa que a gente não sabe o que é e vive à procura de descobrir, mas que de certa forma já sabe. Talvez ele seja semelhante àquela manhã em que corremos pra frente do espelho e descobrimos que a gente é a gente. É algo que a gente traz entranhado na pele, pulsando nas veias, entrando e saindo dos pulmões.

Deve mesmo existir. Esse tal de amor. E deve ter feito algo de muito grave, para que tanta gente procure por ele. E não deve ser tão fácil de ser encontrado, caso contrário, não seriam tantos que dizem que o encontraram mas que não demonstram isso no seu existir.

Eu te amo, diz simplesmente que eu encontrei o amor. E se eu encontrei o amor posso continuar sendo o mesmo? Uma vela exposta ao vento pode não navegar? O fogo em palha seca, pode não se alastrar?

Eu te amo diz que encontrei o amor. Eu te amo.
É... Estamos longe de saber o que é.


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Ouro de Tolo

Punhos cerrados. 
Coração apertado. 
Nó na garganta. 
Ultimamente ele é puro estranhamento.

Um sentimento estranho ele carrega no peito.
Um pequeno ídolo. 
Como ele anseia por destruí-lo.
Ele é um misto de esperança e desesperança. 
Um misto de orgulho e humildade. 
Mais orgulho que humildade.

Sente em sua boca um gosto amargo. 
Uma profunda vontade de cuspir.
Mas quando ele cospe sai poesia.

Vontade de seguir. 
Vontade de desistir. 
Ele é movimento dialético.
Não sabe se vai ou se fica. 
Não sabe se fica ou se vai.

Não consegue mais dormir. 
Fica acordado até tarde pensando.
Pensando que não deveria pensar.
Pensando que quer mudar de pensamento.
Mudar de música.
Mudar de filme.
Mudar de si.

Ele é um tolo.
Um tolo lutando contra o tempo.
O que fazer?

Parece que encontrou um tesouro.
Mas talvez seja só ouro de tolo.
Talvez não seja ouro.
Talvez ele só seja tolo.

É verdade.
Ele sempre foi pobre.
Ele sempre quis ouro.
Mas não saberia como gastar.

Uma vez pobre, sempre pobre.
Uma vez só, sempre só.

Ele é amargo.
Intragável como vinagre.
Então cuspam-lhe de uma vez.
E deixem-no no chão a se evaporar.

domingo, 27 de abril de 2014

Cisma

Há dias em que ele cisma em ler poesia.
Olha na janela do ônibus e vê palavras caminhando na calçada,
Olha para o trânsito e vê pontos em alta velocidade.

Há dias em que cisma em ser apaixonado.
Olha para as estrelas e vê brilho,
Olha para os pássaros e vê canções.

Há dias em que cisma em ser angustiado.
Olha pro céu e vê nuvens,
Olha pras cores e vê cinza.

Há dias em que cisma em ser ele.
Olha pra si e não vê nada.
Olha pra si e não sabe quem é.

Há dias em que ele cisma em cismar.
Olha para tudo e cisma,
Olha para nada e cisma.




quarta-feira, 23 de abril de 2014

Embriagado

Movo-me diferente de antes. Ultimamente as coisas estão indo melhor, graças a Deus.
Mas ainda assim, é estranho sentir-se embriagado.
O efeito do álcool turva meus sentidos, minha mente, meu mundo.
Tocar é diferente. Olhar é diferente. Ouvir é diferente. Orar é diferente. Cheirar é diferente. Falar é diferente.

Meus sentidos não são os mesmos. Acho que não sou mais o mesmo.
Eu havia prometido a mim mesmo que não iria mais beber. Prometi que me manteria sóbrio, que iria parar de me embriagar.
Da última vez que caí na rua bêbado e vomitando foi difícil levantar.
Dei uma pausa. E mesmo após ter voltado a frequentar o bar, não havia problema.

Mudei de bar. Não queria mais beber.
Mas é estranha a bebida.
Depois que a gente vicia, é apenas questão de tempo.
Pode-se ficar um tempo sem, mas acaba-se voltando.

É curioso. Passo o dia querendo mais uma dose.
Passo o dia querendo mais um pouco.

Beber.
Coisa tola.
Coisa que turva os sentidos.
Coisa que enebria a mente e me impede de pensar, de ouvir os outros, o Outro, e a mim mais claramente.

Queria parar de beber.
Mas nesse momento já é tarde.
Ainda quando escrevo estou embrigado.

Estas palavras estão cheias de álcool.
Cuidado para não se embriagar também.
É difícil se manter sóbrio de novo.

Não sei quanto tempo vai durar essa embriaguez.
Pode demorar ou pode passar rápido.
Queria que não passasse.
Mas quem sabe?

QUE NÃO SEJA ETERNO, POIS RÁPIDO EVAPORA O ÁLCOOL,
MAS QUE SEJA ALCOÓLICO ENQUANTO DURE.

Medo

Um efeito paralisante injetado em minhas veias. Injetado do lado de dentro do corpo. Não utilizei uma seringa. Não é heroína. É "covardina". Possui o mesmo efeito viciante, delirante e alucinógeno, mas é diferente.
Medo.
Medo do que poderia ser. Medo do que poderia não ser.
As pernas ficam congeladas. Um tremor interno muito intenso.

"O que você teme criança tola?"
"Qual seu medo?"

Só sei ser sozinho. Só sei ser igual.
Medo de não ser sozinho. Medo de ser diferente.
Medo de querer ser dois e continuar sendo um.
Medo.

Só sei que tenho medo.
Preciso de reabilitação.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Querer

Sem saber o que quero, sigo querendo desquerer.
Querer que me é estranho.
Querer que me é avesso.
Que é isso que quero?

Na verdade eu bem o sei. Tento mentir pra mim mesmo.
Enganar-me com minhas próprias lorotas.
Zombando do meu próprio intelecto, 
Com quereres tão ridículos.

Como fostes parar aí querer?
Como viestes a ser?
O que te fez querer, ser assim como és?

Não sei, querer.
Não sei quem é você.
Eu sei.
Eu sei muito bem quem és.

Não quero, querer.
Simplesmente não quero te querer.
Mas te quero querer.
Infelizmente quero você.

Pensava

Pensava que era poeta e que a vida era poesia.
Pensava que era atleta e pela vida corria.

Pensava que era sonho e pela vida sonhava.
Pensava que era apaixonado e com a vida namorava.

Pensava que era viajante e pela vida viajava.
Pensava que era engraçado e com a vida se engraçava.

Pensava que era maré e a vida era maresia.
Pensava que era compositor e a vida sua sinfonia.

Pensava que pensava e por isso vivia a pensar.
Pensava que era cantor e vivia a cantar.

Pensava que era alguém e de tanto pensar algo se fez.
Pensava que era momento, instante em que se desfez.

Me

Me faço,
Me esparso,
Me amasso,
Me meço,
Me avesso,
Me compasso,
Me desfaço.

Me embolo,
Me namoro,
Me extrapolo,
Me esfolo,
Me colo,
Me choro.

Me doo,
Me magoo,
Me voo,
Me perdoo.

E paro.
Pra começar tudo outra vez.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Meio Sem Querer

Começa assim: timidamente. Sem planejar. Sem poder prever ou se preparar para algo que não se quer que aconteça. Algo que se aprendeu a temer que aconteça.
Começa com tímidos olhares. Com pensamentos furtivos sobre como seria caso desse certo.
Começa com tolas brincadeiras carregadas de verdade.
E quando se percebe, é para onde o pensamento se volta. É para onde o coração se volta.
Se torna uma espécie de bússola. Uma bússola que não aponta para o norte, mas que aponta para você.
Silêncio carregado de dizeres. Dizeres que às vezes nada dizem por temer o que hão de ouvir.
Medo.

Não foi de propósito e ao mesmo tempo foi. 
Nada temos em comum senão o principal.
Você nada vai saber. Ou será que já sabe?
Não deveria saber. Não poderia. Não nesse momento.

Quem sabe um dia?
Quem sabe não é para ser?
Quem sabe nós não fazemos ser?

E de pontas soltas que outrora fizeram nós com alguém, possamos simplesmente fazer nós de nós.
Poderia ser que sim.
E seria lindo.
E eu continuo assim: 
Te querendo, meio sem querer.

Algo Novo

O existente que caminha segue caminhando. Sua estrada se descortina enquanto caminha, mostrando bifurcações, abismos, pântanos, florestas, desertos, oásis, pousadas. Ele é um estranho. Já ouvira isso diversas vezes até então. E gosta de sê-lo. Ele segue em sua desarmonia harmoniosa. Em seu chaos ordenado.
Um pouco mais sensível a si ele cuida ser agora. Aprendeu um pouco mais a ouvir a si mesmo falando.
Seus pés às vezes parecem se mover sozinhos, como se soubessem onde querem chegar. Ele não precisa pensar onde quer ir. Todo movimento o impulsiona para lá. 
Enquanto caminha esquece-se de observar ao redor. Vive perdido nesse mundo entranhado debaixo da pele.
Os caminhos e descaminhos do seu existir têm-no feito crescer.
Há momentos em que ele se agrada do que vê no espelho. Há outros que ele não reconhece o rosto que o olho por detrás do reflexo.
Ele ainda está a procura de quem é.
No entanto, sabe que não é mais o mesmo. Sabe que é novo e velho. Velho e novo. Ele é algo novo.
Algo tosco, algo estranho. Mas algo seu. Não é o que os outros queriam que ele fosse. Não é o que muitas vezes ele queria ser.
Mas tudo bem. Ele é aceito. E sua realidade de ser aceito tal como é, faz com que ele se aceite. 
Ele é amado. Merecendo eterno desprezo, encontrou graça.
O caminhante sedento, o peregrino errante achou água. Fontes de Água Viva.
Água que não cessa.
Ele é estranho. Estranho e amado. Estranho e aceito. Ele é uma estranheza só.
E encontrou quem fosse mais estranho que ele. 
O Totalmente Outro.
O Totalmente Outro que é puro estranhamento.
O Totalmente Outro que o faz ser totalmente-si.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Querença

Ultimamente tenho andado um indivíduo querente. Um indivíduo que quer. Para falar a verdade, sempre fui assim. É a querença que me move, que me impulsiona e me faz seguir. É esse tal de querer que me faz ainda mais querer. Essa coisa estranha chamada voluntas
É estranho querer.
Algumas das mentes mais brilhantes do mundo se debruçaram sobre a querença e descobriram que ela surge da carência. O desejo nasce da falta. A falta flerta com a pertença, copula com ela e concebe o desejo. A falta é aquilo que não é. A pertença aquilo que está sendo. O desejo, aquilo que quer ser. Na falta, há pertença ausente. Na pertença, há pertença presente. No desejo há falta presente e pertença ausente.
Uma vez existente, o desejo, como os demais seres vivos, quer sobreviver. Ele chora quando possui fome e não é ouvido. Grita desesperadamente, cada vez mais alto, até ser satisfeito. O desejo é voraz. No entanto, como parte constituinte do homem, necessita ser submetido, ser negado e às vezes adiado. Mas ainda assim, ele não aprende. O desejo é ignorante. Ou talvez, muito sabido.
Essa querença é estranha. Quer o que não tem e quando quer, cessa de querer só para poder querer mais.
Querença é fome. Querença é tesão. Querença é apetitite, é volitude incontrolável.
Querença é ato ou efeito de querer.
Querer é absurdo. 
Querer é estranho.
Querer é humano.

Mudança

Em sua atividade fútil e tosca de refletir, se pôs a pensar sobre a mudança. Da janela do ônibus olhou e viu adolescentes caminhando apressados rumo à escola. Lembrou-se de quando fazia o mesmo. De como se sentia empolgado por encontrar-se com sua turma e por poder flertar com algumas meninas. Mudara desde então. Já há muito não tinha uma turma, se é que algum dia tivera alguma e flertar já não era mais tão prazeroso.
Ultimamente tudo estava assim para ele. Meio vago. Meio sem sentido. A náusea embrulhava-lhe o estômago e sentia vertigens boa parte do tempo. Não queria mais uma turma. Possuía algumas amigas que lhe eram preciosas, mas não queria uma turma. Conhecia uma ou duas garotas que talvez se dispusessem a aturá-lo em um relacionamento, mas nem isso ele sabia se queria. Às vezes sim, outras não.
Era um solitário. Um estranho solitário. Cada vez mais mudado.
Não mudara de endereço. Não mudara de família. Mudara de roupa, de corte de cabelo, de visual. Mudara de conhecimento. Mudara de profissão. Mudara sua forma de pensar. Mudara de si. Um tijolo após o outro ele se mudava. Um tijolo após o outro ele se des-fazia. Não seguia uma planta pronta.
Não sabia o que fazer. Não sabia o que deveria ser. Sabia que estava mudando. Sabia que cada vez mais precisava de mudança. 
Doses cavalares de mudança. 
Ele amarrava seu braço vez após outra com um garrote, dava-lhe leves tapas para salientar as veias e injetava mudança. Era sua droga. Sua heroína particular. Mudança.

Nesse momento, crê precisar de mais uma dose. É um vício exigente.

Estranheza

Sentia-se como um estrangeiro, um hóspede indesejado. Quem lhe era próximo, nunca se aproximara. Quem lhe era querido, ele não queria. Sua habitação era a estranheza. Era ordinário e banal, mas ainda assim, estranho.
Não possuía um sorriso encantador, um belo par de olhos azuis ou esverdeados. Não possuía os mais caros itens, os melhores amigos, os nobres títulos. Não possuía nem mesmo grandes realizações. Não tinha ninguém para chamar de seu e ele mesmo não se pertencia.
Preferia a solidão as grandes multidões e ainda em meio a elas, podia sentir-se só. Era íntimo da angústia e os dias chuvosos lhe eram mui caros. Amava aqueles dias cinzentos, a umidade no ar, o cheiro de terra molhada a invadir-lhe as narinas sem pedir permissão.
Não tinha certeza quem era e nem o que queria ser. Debruçava-se sobre um livro após o outro somente para ver como era fútil esse exercício. Ler, ler e reler. Ler, ler e mais ler. Tudo isso, para sucumbir sem nada ter aprendido.
Tanta vaidade.
Queria encontrar alguém e ser encontrado, mas amava se esconder. Fizera muralhas tão altas e sólidas que quase não podia escalá-las. Quando pensava encontrar alguém, mudava de ideia. Sempre fora incerto. Sempre fora assim, estranho. Vez após outra, olhava-se no espelho e se espantava com o que via. Quem era aquela figura?
Estranho. Não normal para si mesmo. Era permeado pelo amor e o ódio por si.
Diferente. Anormal, mas ao mesmo tempo comum. Simples e complexo.
Constante paradoxo em sua inconstância.
Estranho. Muito estranho. Muito si. E às vezes não.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Insignificância e Vaidade

Sempre quis "mudar o mundo", "deixar minha marca", "fazer história". Ser alguém importante, alguém que se diferencie dos cerca de 7 bilhões de seres humanos neste planeta. Acho que todos desejamos isso. Bem lá no fundo. Ser imortalizados nas páginas dos livros, expor ao mundo sua maneira única de pensar, fazer coisas que ninguém mais fez...

Pra que?

Qual a finalidade disso?

Muitos dos meus antigos pensamentos tem caído por terra ultimamente. Isso é profundamente angustiante, mas é bom. Não sou mais o garoto ingênuo e fantasioso que já fui. Sou um sonhador? Sim. Um realista esperançoso? Absolutamente. Mas o digo somente porque todo sonho tem como base a realidade. O material dos sonhos é a realidade.

Conversava ontem com uma amiga muito querida sobre nossos delírios de grandeza em meio a nossa própria insignificância. Pensamos em fazer algo, em marcar o mundo... 

Mas não pensaram assim dezenas de milhares de pessoas antes de nós? O jovem que sofreu um acidente de carro ou motocicleta na última semana também não sonhava em mudar o mundo, em se fazer grande, em conquistar muito?

E onde estão esses sonhos agora? Onde estão aqueles que mudariam o mundo? Porventura alguém se lembra deles?

Queremos ser importantes. Ser reconhecidos. Blaise Pascal dizia que a vaidade do homem é tamanha que faz até mesmo com que ele deseje ser imortalizado, lembrado, ADORADO por outros homens. Queremos ser algo. Temos fome de ser. 

Mas em meio a essa fome, esquecemos de algo primordial da natureza humana: SOMOS INSIGNIFICANTES. Os sonhos de mudança se perdem conosco. A morte iguala todo o rebanho de condenados. Aquele que sonhou antes de nós em mudar o mundo... Aquele que desconhecemos exatamente porque caiu no esquecimento após sua morte... Onde está ele?

Deixe-me ser claro e dizer algo que me inquietou quando li em Schopenhauer, mas que é uma grande verdade: O mundo vai continuar existindo tranquilamente sem mim. Ele existiu sem mim. Guerras, vitórias, alegrias, tristezas... Tudo isso o mundo experimentou sem mim. E continuará quando eu me for. Minha presença na Terra não tem importância senão para mim e para aqueles que se importam comigo. Mas mesmo estes, continuarão a viver e muito bem após minha partida. Somos insignificantes.

Vejo gritos desesperados por mudança. Manifestações, greves, guerras... O que dizer? Devem continuar. Livros? Devem ser publicados. Mas tenhamos sempre consciência de que isso não passa de "vaidade, tudo é vaidade".

Cada um vive pela razão que conseguiu construir, pelos valores que se apropriou e fez seus no mundo. Cada um vive pelo sentido que consegue dar a sua vida.

Quanto a mim, não quero mudar o mundo. Não quero ser lembrado por pensamentos filosóficos e escritos em livros que existem aos milhões em bibliotecas por todo o mundo. O mundo não precisa de mais filósofos, cientistas, poetas, pastores, padres, monges, reis, políticos, trabalhadores. Ele já tem de sobra ao longo de sua história. Não preciso ser um reformador, um político, um guerrilheiro, um "Che Guevara". Preciso apenas ser eu. Ser eu em minha insignificância. Marcar o mundo daqueles que estão próximos e a quem amo e ser marcado por eles. Viver para o meu Deus, amá-Lo, me relacionar com Ele, Conhecê-Lo. O que mais eu posso querer além disso?

O que há maior que isso?

Gastar minha vida por uma causa que desconheço para ser lembrado por pessoas que possivelmente irão ignorar e desconhecer o que fiz?

O que há de maior que viver a vida que me foi concedida amando aqueles que estão próximos, marcando-os e sendo marcado por eles?
O que há de maior que viver o amor cristão e o relacionamento com o próprio Cristo?

O "resto" é vaidade. Vaidades de vaidades, diz o pregador. Tudo é vaidade.

* Esse pedaço vai especificamente para os cristãos:
Mudar o mundo... 
O que é isso?
"É cumprir o ide".
Pois bem... Que mundo você vai mudar quando não marca nem as pessoas ao seu redor?
Que mundo você irá mudar quando vive cheio de delírios de grandeza e seu Mestre te ordena a humildade e a servidão?
Para onde você vai se nem quem está próximo, quem mora na sua casa, convive com você dia após dia foi impactado com Cristo em você?
Sua missão não está apenas em ir para os confins da Terra. Sua missão está em marcar a vida de quem está próximo. Sua missão consiste em ser a diferença que almeja ver.
Seja, depois faça.



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Brilho

Há um brilho por detrás desse olhar. Um brilho que parece ir de encontro a minha escuridão.
Brilho a transmitir-me pureza, paz, amor, certeza.


Apenas um brilho és.
Luz inalcançável.
Assim como as estrelas, que apenas podem ser admiradas ao longe.

Expectativas

Me defino como um realista esperançoso. Não sou alguém que busca se encher de expectativas. Vez ou outras elas surgem... No entanto, tenho descoberto que o caminho mais rápido para a decepção e frustração é a expectativa. Esperar algo, seja de alguém ou de alguma situação (incluindo a si mesmo) geralmente nos frustra.

Uma ligação que nunca vem. Uma sms que nunca chega. Um eu te amo que nunca é dito. Um olhar não correspondido. Emoção mendigada...

Os pedintes com as mãos e chapéus estendidos esperando receber algo.
"_ Um olhar por favor?
Tenho fome. Tenho fome de atenção. Fome de afeto. Fome de carinho. Fome de fome."

Mendigos. Somos um bando de mendigos pedindo algo. O olhar do outro que nos move, que nos instiga, que nos faz andar.

É impossível viver sem esperar algo. Impossível não mendigar o futuro. A esperança de um amanhã muitas vezes é o que nos permite suportar o hoje. Esperar é contar com o que ainda não veio. É lançar-se no abismo da incerteza.

Gosto muito dessa palavra, por falar nisso. Abismo. Um espaço de queda. Um espaço de perda de estabilidade. Um espaço que é aterrorizante por dois motivos: pela queda e pelo fundo. O que há no fundo do abismo? Isso é, se tiver fundo.

A queda é aterrorizante. O corpo perde os referenciais de apoio. A mente perde o foco de pensamento. O abismo acaba com o equilíbrio. Ele instaura o desespero. É exatamente isso que é assustador.

O que esperar de uma queda? O que esperar de um olhar? O que esperar de um texto ou livro lido? O que esperar de uma dádiva ofertada? O que esperar de um futuro incerto, de um passado que grita no presente e de um presente que teima em ser presente?

Queria não esperar. Cessar as expectativas. Mas não há como. Viver é esperar. Esperar é viver.


domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ocupado

Olhando através da janela do ônibus me coloco a observar muitas coisas. Não vejo carros passando, não vejo transeuntes nas calçadas, não vejo animais atravessando a rua. Vejo algo mais informe, mais incerto. Me coloco a observar dentro de mim. Paro finalmente para pensar nesse fluir contínuo que costumo chamar de existência, nesse movimento inconstante do existir, da tal da vida. Realmente tenho experimentado um tempo novo. Realmente conhecido gente nova, ido a novos lugares, feito novas coisas.

Ando ocupado com muita coisa. Muito para ler. Muito para estudar. Muito para fazer. Muito para existir.
Tenho me ocupado da minha vida. Não só me ocupado. Tenho me preocupado. Me preocupado com o rumo que ela leva. Me preocupado com o rumo que tudo leva. 

Será minha existência apenas mais uma palavra, uma vírgula ou um ponto em uma sentença que nada muda?
Será ela o ponto que faz a diferença, a palavra que muda a história?

O que fazer com a infinidade de pensamentos e emoções pululando do peito?

Cada vez mais "pístico" sigo a jornada. Um cavaleiro da fé que vez ou outra cai do cavalo.
Ando ocupado também com a cavalgada. Ando ocupado. Em uso. Cheio.

O que nos ocupa e nos preocupa?
Será que vale a pena?

Será que não é melhor o vazio?

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Nós Dois


Nesses últimos dias tenho me colocado muito a pensar em nós. Em quando fomos nós. Em quando nos fizemos nós. Nas mensagens até tarde na madrugada. Nas conversas todo dia de meia noite às três da manhã. Nas sete horas ininterruptas de conversa naquele sábado. Nos temas intermináveis e assuntos infindáveis de conversa. Nos nossos "eu te amo". Na minha "marmota" e no seu "marmotinha"... Fomos mais que apaixonados. Mais que namorados. Muito mais que um casal ensandecido trocando juras não cumpridas de amor.

Fomos nós. Tecemos nós. Atamos nós. Desatamos nós. Desfizemos nós.


Resta saudade.

... Te vi no ônibus essa noite... Te vi e não te vi nesses últimos dias. Não sei como vai. Não sei se está bem ou se está mal. Não sei se ainda pensa em mim. Não sei se pensa em nós. 

As pessoas tem dito que preciso de terapia... Talvez por isso me ponha a pensar em nós...

Nós nunca fomos os mais perfeitos. Nunca os mais belos, mais espertos ou mais felizes. Fomos uma breve união de opostos. Fomos um eclipse muito aguardado que por fim passa. A lua se entrecruzando com o sol, num brilho escuro e numa escuridão iluminada. Fomos o encontro entre o que jamais poderia ser, mas que ainda assim, lutou. Fomos o bebê não planejado durante um coito apressado e que teve que ser abortado. Fomos o encontro e o desencontro de dois estranhos familiares. Fomos nós.


Fizemos nós. Desfizemos nós. Desatamos nós.

Não somos mais nós. Somos pontas soltas. Pontas soltas que talvez um dia, façam nós com outro alguém.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Hipocrisia

Circunstâncias revelam o que as palavras tentam esconder. Um discurso inflamado pode turvar o que realmente se quer dizer. Pode mascarar o que está no mais recôndito do nosso ser. Mas as circunstâncias fazem com que a realidade interior se exteriorize. Camuflados por detrás de tanto moralismo e nobreza, estão os sentimentos mais vis. Fingimos demais.
Somos peritos no teatro da vida. Atores que merecem "oscars" pela brilhante atuação. Fingimos tão bem, que nós mesmos acreditamos. Gargalhamos quando queremos chorar e chamamos isso de força. Dizemos amar quando no interior há o desprezo ou a indiferença. Iludimos quando na verdade não há sentimento. Fingimos sentimentos, fingimos intelectualidade, fingimos ser cristãos...
É enorme nossa mesquinhez...

Tudo não passa de um teatro. Um teatro de marionetes. Um teatro de hipócritas. Emocionalismo vazio.

Somos apenas pessoas que falam bonito, mas que tem a alma feia. Pessoas que aparentam estar cheias, mas que não tem nada. Apenas uma latinha vazia com uma moeda dentro.

Somos a multidão de atores. Somos a multidão de hipócritas!