quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Peixes e pássaros

Um dia a navegar.
Observando as águas te vi.
Que peixe interessante,
Pensei comigo

Por que não?
Te encontrei em minha rede.
Lá comecei a falar contigo.

Eras peixe que com outro nadava.
Te tornastes peixe a nadar só.
Por quanto tempo hás de continuar?

Quero me fazer peixe e contigo nadar.
Quem sabe se quando juntos nadarmos na mesma rede
Não deixaremos de ser peixes e voaremos juntos como pássaros?

Poderás pousar ao meu lado. Poderei pousar ao teu.
Pode ser que façamos um ninho.
Quiçá surja um passarinho
E os peixes passarão.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Água Viva

Ausência de fome. Não por plenitude. Não por saciedade. Simplesmente por ausência.
A boca amarga. Os rins sentem picadas. A cabeça dói. A alma chora.
Foi violentada. Vez após outra. Repetidamente.
Espancada. Cuspida. Estuprada.
Então ela chora. Chora na esperança de ser ouvida. Chora na esperança de ser salva.

Grito. Silêncio. Grito. Silêncio.
Ausência. Presença. Presença. Ausência.

Ir e vir. Empurrar e puxar. Dança descompassada.
Instrumento desafinado.

O sonho não mais vem, pois não há sono.
Permaneço a-cordado. Cansado. Desejoso de dormir, mas a-cordado.

A voz não sai da garganta seca. Preciso beber.
A sequidão não sai da vida seca. Preciso me molhar.

Vontade de me afogar. Me afogar em Água Viva até ficar encharcado.
Até deixar de ser seco.
Até voltar a viver.
Até lavar a alma.
E poder viver com calma.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Arco-íris

Hoje cheguei a conclusão que sou arco-íris. Sou composto por várias cores que surgem em uma situação propícia pela incidência de determinados raios de luz.
Dou sorrisos amarelos. Às vezes fico roxo de raiva, vermelho de vergonha, azul de fome.
Sou um arco-íris meio estranho. Não sei direito quais cores possuo, a organização exata delas, suas diferentes matizes e gradações. Não sei quais cores faltam, mas consigo perceber quando uma delas se sobressai. Consigo perceber quando uma delas se sobrepõe sobre as outras. Consigo perceber quando uma delas se esconde timidamente.
Tenho aprendido a reconhecer minhas n(m)u-(d)anças. É meio difícil decifrar um arco-íris. Não é palpável. Não é sempre observável. Ele surge depois das chuvas, das molhanças. Se revela pelo contraste da luz com a água. Luz e água. Sempre muito a revelar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Poesia

Nessa brincadeira de fazer poesia me fiz pó-e(s/x)-ia.
Pó-és-ia. Me fiz o pó que és, por onde ia.
O pó que sou por onde vou.
(Por onde vou?)

O pó que serei por onde irei.
(Por onde irei?)

Também me fiz o pó que serei onde não irei.
Lugares em que não estarei.

Gente

Não gosto muito de gente bem definida, que sempre sabe o que quer. Gente que tem todas as respostas, que sabe bem onde quer chegar. Gente que tem o mapa da viagem, que guarda tudo em um embrulho. Gente que deixa a papelada toda preenchida, o armário todo organizado.
Não gosto muito de gente que não se define, que nunca sabe o que quer. Gente que não possui resposta alguma, que mal sabe para onde vai. Gente que nem sabe que há viagem, que nada guarda.
Gente que não assina os papéis e nem arruma o armário.
Não gosto muito de gente que não sabe que é gente, que não sabe o que é querer. Gente que não conhece as perguntas e nem tem lugar pra ir. Gente que esqueceu de viajar, que nada tem para deixar guardado.
Gente que não tem papéis nem armário.

Gostar de gente é esquisito. Sobretudo porque a gente não gosta muito da gente.
Alguém sabe me dizer o que é gostar de gente? O que é gostar da gente?
Alguém sabe me dizer pelo menos o que é gente?


O Espaço e a Partida

Quando houve proximidade deu medo. 
Então houve o espaço. 
No princípio uma fenda. 
Depois uma passagem e, por fim, uma estrada. 

Quando o espaço se fez estrada a proximidade se fez partida. 
A partida foi caminho e quebra. 
Me fiz an-dança. 
Me fiz par-tido.

Andei e desandei por caminhos e descaminhos que às vezes nem sei. 
Em meu par-tido reconheci pedaços. 
Alguns deles continham laços e outros até mesmo nós. 
Em minha parte-ida conheci faltas e desconheci coisas das quais pensava algo saber.

Desconheço pessoas que um dia cuidei conhecer. 
Findaram-se amores que um dia jurei amar. 
Nasceram dores de onde um dia foi sonhar.

Se há saudade? Claro que há. 
Perguntei pro partido porque a saudade se dá.

Ele me disse que é porque onde um dia a alma repousa, é para onde quer voltar.

Como colar uma vez que me fiz par-tido? Como voltar quando a proximidade se faz parte-ida?
Como par-ar quando se acostuma a ser an-dança?


Não sei. Só sei que faço poesia.
Poesia não tem rosto nem dono. A não ser o rosto que se dá. A não ser o dono que se é.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Dança e a Chuva

O céu está nublado,
Mas há sol lá fora.

Há um cheiro de umidade
Inebriante.

As nuvens dançam freneticamente
Tingidas de um cinza escuro.

Está chovendo.
Aqui dentro chove.

Chove enquanto as nuvens dançam.
Chove e a dança continua.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Brinquedo Tosco

Ele mal se aguentava em pé. Já fazia algum tempo que se encontrava assim. Sua coluna vertebral já não parecia sustentá-lo. Se sentia meio mole. Andando feito gelatina. Amigos ele não tinha. Apenas sua velha companheira, cada vez mais presente, a tal da solidão. Ele a desejava. E ela sempre parecera querê-lo por perto. Ambos estavam estreitando cada vez mais a relação.
Quando conversava com alguém, tudo que via eram rostos estranhos. Ele era sempre a peça do quebra-cabeça que não encaixava. Talvez ele tivesse defeito. Já havia algum tempo desde que ele aprendera uma palavra para se definir: deslocado. Ele era um deslocado. A peça que não se encaixa. Aquela peça que ninguém sabe para que serve e que causa algum incômodo, mas que as pessoas costumam deixar no lugar para não estragar o aparelho. Talvez para alguns ele fosse como uma etiqueta de roupa. É algo que se deixa onde está simplesmente pelo costume, pois após algum tempo não tem mais serventia.
Ele era um brinquedo tosco. Uma chuva nada querida em um dia de colheita.
Dizem que se deve buscar o equilíbrio. O meio termo. Mas como se faz quando não se pertence nem a uma metade, nem a outra, nem ao meio? Como se faz quando seu lugar não é em cima, nem embaixo, nem na intercessão entre eles? O que fazer quando não se está nem em um lado do campo, nem no outro, nem na linha?
Ele era deslocado. Não era normal, não era louco e nem meio louco. Ele era comum. Mas ainda assim, era algo comum que não é fácil de classificar. Ele era sempre aquele brinquedo da criança que, quando arruma-os em uma prateleira, coloca os preferidos na frente, os mais ou menos atrás e os indesejados guarda na caixa. Ele era o brinquedo que caiu atrás da estante e a criança nem se lembrou.
Ele era um céu cheio de nuvens num dia chuvoso. Algo óbvio demais, mas que ao mesmo tempo é cheio de mistério. Sua aparência era meio cinzenta, enevoada. Possuía uma presença que se fazia notar, mas que ao mesmo tempo passa desapercebida.
Ele era um brinquedo tosco. Um brinquedo sem lugar. Um brinquedo com quem ninguém brincava. Um brinquedo que não tinha ninguém para brincar. Um brinquedo acumulando poeira atrás da estante e que caiu lá sozinho. Um brinquedo sem criança. Um brinquedo sem brincar.

Pontuação

A cada dia sou ponto.

Ponto final.

Vírgula,

Ponto e vírgula;

Exclamação!

Interrogação?

Dois pontos:

Hoje sou reticências...