quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Arrumação

Dia de arrumar:
O armário e a vida.


Jogando fora textos velhos,
Palavras velhas,

Eu's velhos.

Dia de pensar:
Como voa a vida!
Se abrir a gaiola ela voa.

Nostalgia. Saudade boa do que foi e não mais é.
Saudade do que não foi e pode ser.

Dia de ar-rum(o)-ação.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O Fim

Com essa dança estranha me des-peço da música. 
A última valsa.

Com esse falsete encerro a canção.
A última palavra.

Com esse toque paro de tocar.
O último instrumento.

Com essa voz paro de falar.
As últimas palavras.

Com essas lágrimas paro de chorar.
Fecho os olhos.

Não mais porta aberta. Não mais convite de festa.
Nem de funeral.

A casa se fechou. A missa acabou.
Não temos vagas. Estamos fechados.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Paciência desesperada

Ele espera. Pacientemente em meio ao desespero. Aquele desespero calmo que ele conhece tão bem.
"Onde estás?", pergunta. Mas não há resposta. Pelo menos não audível. Já aprendera a ser par-tido.
Mas ansiava por ser um. Um feito de dois. Nós feitos de nós. Laço feito de abraço. Como o compasso que encontrou seu papel e se coloca a com-passar.
Ele era dela. Ainda que a não conhecesse.
Cansara-se de se enganar. Não mais queria se ilud-ir. Preferia estar quieto e em silêncio.
Tenha paciência desespero. Em breve será tempo de desenhar.

sábado, 4 de outubro de 2014

Ausência de Calma

Desconheço aquilo que um dia presumi conhecer.
Se há amor,
Ele se esconde atrás do sofrer.

A criança que brinca
Se surpreende ao quebrar o brinquedo.
Assim é o amante
ao se deparar com a concretude de seu pior medo.

Os olhos altivos acostumados a ver o banal
Se ressentem feridos ao contemplarem uma vez mais a face do mal.

O doce caos que outrora bailava
Dá lugar a amarga paz que não se desejava.
Como é cruel o sossego que agora inunda sua alma
Banhando-a no desespero da ausência de calma.

Ele grita em silêncio pela lâmina pungente
Que traspassa seu peito,
Embebida em veneno de serpente.

Suas faces se contraem e sua alma chora
Mutilada e ferida, sentindo o peso do agora.



Insensível

Foi assim: De repente e gradativamente. Como uma borboleta que quebra o casulo. Des-cobri o que não mais poderia esconder. Estava ali. Outra vez. Onde jurara não mais ir. Meus pés trôpegos aprenderam a andar sós. Não mais pediam meu consentimento para o rumo que tomavam.

Podia des-conversar. Tentava mesmo fingir (e fugir), mas já era tarde demais. Me encontrava cativo.
Cativado e em cativeiro. 


Pensei, tolamente, que poderia resistir. Não podia. Agora sei. Amarguei quando senti na boca o gosto do mel que agora me doía, doce e amargo como vinagre. Parece que aquilo que fingimos evitar é o que sempre acabamos encontrando.

Seus olhos idiotas. Dois globos ridículos, penetrantes e belos, fixados em sua cabeça estúpida, juntamente com seu sorriso deslumbrante e maldito. Como era intenso esse olhar. Perscrutando-me, invadindo-me, dilacerando-me. "Coma sua carne", podia vê-los dizer. "Destrua sua alma. Faça como antes. Até que ele não mais seja. E possamos encontrar outro estúpido pelo caminho."

Não desta vez. Me fiz cego para não ver seus olhos. Me fiz surdo para não ouvir sua voz. A lepra me consumiu, a fim de que não precisasse sentir seu toque. Me fiz des-caminho para que não pudesse andar sobre mim.

Eu's


Quando levantei pela manhã vi um rosto no espelho. Aprendi a chamá-lo de eu, pois aqueles que passei a reconhecer como outros, diziam que era eu.
Uma criança. O rosto que eu vi era de uma criança. Dia após dia, vez após outra, instante após instante aprendi que eu era eu. Mas como pode ser que aquela pessoa que vai deitar e "apaga", seja ela mesma ao acordar? Quem foi dormir? Quem acordou? Me disseram que era eu.

Mentira.
Fui crescendo. E o rosto que hoje vejo, não é mais de uma criança. Não é bem também o de um homem, mas ainda sou eu. Ou melhor, será que ainda sou eu? Quem afinal de contas sou eu?

Pensei que o eu fosse um único indivíduo, crescendo, mudando, amadurecendo, até morrer. Me enganei. Descobri que não sou eu. Sou eu's. 

Ontem era um, hoje sou outro, daqui a pouco mudo de novo. Ontem usava calça, hoje uso bermuda, amanhã quem sabe, fique nu? Não sou uno. Sou múltiplo. Sou mudança, inconstância, loucura, delírio, devaneio, divagação.

Sou ator. Para minha mãe finjo ser filho. Para minha profissão finjo ser profissional. Para a namorada finjo ser namorado. Para meus amigos finjo ser amigo. Para quem me vê no ônibus enceno ser um passageiro. Mas eu sou passageiro. Talvez isso seja a única coisa que eu não finja: ser passageiro. E de tanto fingir, finjo para mim que sou eu. 
Eu fui eu. Um dia fui.
Mas ao acabar de escrever, ou no meio do texto, já deixei de ser. 
Agora sou outro. E outro, e outro, e outro...