quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Brinquedo Tosco

Ele mal se aguentava em pé. Já fazia algum tempo que se encontrava assim. Sua coluna vertebral já não parecia sustentá-lo. Se sentia meio mole. Andando feito gelatina. Amigos ele não tinha. Apenas sua velha companheira, cada vez mais presente, a tal da solidão. Ele a desejava. E ela sempre parecera querê-lo por perto. Ambos estavam estreitando cada vez mais a relação.
Quando conversava com alguém, tudo que via eram rostos estranhos. Ele era sempre a peça do quebra-cabeça que não encaixava. Talvez ele tivesse defeito. Já havia algum tempo desde que ele aprendera uma palavra para se definir: deslocado. Ele era um deslocado. A peça que não se encaixa. Aquela peça que ninguém sabe para que serve e que causa algum incômodo, mas que as pessoas costumam deixar no lugar para não estragar o aparelho. Talvez para alguns ele fosse como uma etiqueta de roupa. É algo que se deixa onde está simplesmente pelo costume, pois após algum tempo não tem mais serventia.
Ele era um brinquedo tosco. Uma chuva nada querida em um dia de colheita.
Dizem que se deve buscar o equilíbrio. O meio termo. Mas como se faz quando não se pertence nem a uma metade, nem a outra, nem ao meio? Como se faz quando seu lugar não é em cima, nem embaixo, nem na intercessão entre eles? O que fazer quando não se está nem em um lado do campo, nem no outro, nem na linha?
Ele era deslocado. Não era normal, não era louco e nem meio louco. Ele era comum. Mas ainda assim, era algo comum que não é fácil de classificar. Ele era sempre aquele brinquedo da criança que, quando arruma-os em uma prateleira, coloca os preferidos na frente, os mais ou menos atrás e os indesejados guarda na caixa. Ele era o brinquedo que caiu atrás da estante e a criança nem se lembrou.
Ele era um céu cheio de nuvens num dia chuvoso. Algo óbvio demais, mas que ao mesmo tempo é cheio de mistério. Sua aparência era meio cinzenta, enevoada. Possuía uma presença que se fazia notar, mas que ao mesmo tempo passa desapercebida.
Ele era um brinquedo tosco. Um brinquedo sem lugar. Um brinquedo com quem ninguém brincava. Um brinquedo que não tinha ninguém para brincar. Um brinquedo acumulando poeira atrás da estante e que caiu lá sozinho. Um brinquedo sem criança. Um brinquedo sem brincar.

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