sábado, 4 de outubro de 2014

Eu's


Quando levantei pela manhã vi um rosto no espelho. Aprendi a chamá-lo de eu, pois aqueles que passei a reconhecer como outros, diziam que era eu.
Uma criança. O rosto que eu vi era de uma criança. Dia após dia, vez após outra, instante após instante aprendi que eu era eu. Mas como pode ser que aquela pessoa que vai deitar e "apaga", seja ela mesma ao acordar? Quem foi dormir? Quem acordou? Me disseram que era eu.

Mentira.
Fui crescendo. E o rosto que hoje vejo, não é mais de uma criança. Não é bem também o de um homem, mas ainda sou eu. Ou melhor, será que ainda sou eu? Quem afinal de contas sou eu?

Pensei que o eu fosse um único indivíduo, crescendo, mudando, amadurecendo, até morrer. Me enganei. Descobri que não sou eu. Sou eu's. 

Ontem era um, hoje sou outro, daqui a pouco mudo de novo. Ontem usava calça, hoje uso bermuda, amanhã quem sabe, fique nu? Não sou uno. Sou múltiplo. Sou mudança, inconstância, loucura, delírio, devaneio, divagação.

Sou ator. Para minha mãe finjo ser filho. Para minha profissão finjo ser profissional. Para a namorada finjo ser namorado. Para meus amigos finjo ser amigo. Para quem me vê no ônibus enceno ser um passageiro. Mas eu sou passageiro. Talvez isso seja a única coisa que eu não finja: ser passageiro. E de tanto fingir, finjo para mim que sou eu. 
Eu fui eu. Um dia fui.
Mas ao acabar de escrever, ou no meio do texto, já deixei de ser. 
Agora sou outro. E outro, e outro, e outro...

Nenhum comentário:

Postar um comentário